Historicamente, do Grego, theōría traduziu-se para o Latim como contemplatio, originando “contemplação” em Português. É de theōría que derivam palavras como “teoria” e “teatro”, o que faz sentido pois expressava primeiramente a ideia de olhar para algo ou o estado de espectador. Contemplatio terá origem etimológica em templum, o mesmo que “templo”. Em suma, tanto theōría como contemplatio significaram originalmente o acto de progressivamente observar as coisas com os olhos, a mente e o “coração” (ou como Deus). Ademais, trata-se de uma observação desapegada, uma “observação contemplativa”, se for permitida a redundância, feita como se no seio de um templo.
Percebe-se a razão pela qual a Cristandade pegou em ambos os termos, theōría e contemplatio, para se referir a uma atitude meditativa visando o (re)encontro com Deus. A Contemplação, posteriormente designada Mística Cristã, definiu o conjunto de técnicas, teologicamente enquadradas, que procuravam a união com o Divino ou a consciencialização de Deus. Essas técnicas centravam e centram-se, essencialmente, na oração, repetição e visualização em ardor místico. Em rigor, dir-se-ia que tais técnicas levam à contemplação, imergindo na Sagrada Quietude que será Deus.
A definição “teórica” e “técnica” de contemplação condicionou largamente os “diferentes” caminhos seguidos pelo Cristianismo Ocidental e Oriental. A Oriente, Contemplação ou theōría significa literalmente a união com Deus, portanto, assumir a Sua Visão (passar de um enfoque egocentrado para outro holístico). Na Tradição Ascética do Hesicasmo, por exemplo, esse estado é designado theōsis e tido como a dissolução (ou reconciliação) da mente no (com o) coração. A Ocidente, “mística” ou “misticismo” tomam o lugar do termo Contemplação por influência de Teólogos Místicos como Teresa de Ávila e João da Cruz. Em todo o caso, a ideia intrínseca mantén-se: a de um reencontro com Deus, através do reencontro com o coração, isto é, um “silenciar” da mente.
Sendo simultânea ou progressivamente, atitude e estado, a Contemplação é concebida como um processo. Pseudo-Dionísio, o Areopagita, definiu a gradação desse processo, influenciando profundamente a construção do Cristianismo, sobretudo Oriental. Dos Padres do Deserto ao Hesicasmo, a contemplação é um processo de refinamento que compreende três estágios: (1) catarse (katharsis) ou purificação; (2) iluminação (theōría) ou contemplação “adquirida”; e (3) união a Deus (theōsis) ou contemplação “infusa”, deificação. Todo o itinerário assenta na premissa de transitar de um amor condicionado, egocentrado, para um Amor Incondicional, sem objecto mundano. Catarse e Iluminação são fases preparatórias, pois visam preparar o “sujeito” para encontrar ou regressar à visão de Deus. Santa Teresa de Ávila, na Península Ibérica, descreveu quatro estágios até à união mística: (1) a união mística incompleta, quando a mente ainda deambula, mais “forte” que a Graça, sem se conseguir fixar em Deus; (2) a união mística parcial, havendo um considerável fortalecimento da Graça, porém, insuficiente para restringir os sentidos; (3) a união mística extática ou êxtase, quando a comunicação com o mundo exterior é quase ou totalmente cortada; e (4) o casamento espiritual da Alma com Deus, portanto, a união deificante, total. Os três primeiros estágios são graus crescentes de intensidade da mesma condição ou Graça. Já o quarto momento é um não-estado, compreendendo a dissolução total da identidade pessoal, a transição para uma Identidade Deificada, intrinsecamente inerente a todos e que corresponde ao Céu ou Paraíso.
Notemos que parece haver um caminho partilhado entre Cristianismo Oriental e Ocidental, e com outras Ciências Contemplativas culturalmente Judaicas, Islâmicas e Hindus, por exemplo; purificar e transcender para atingir ou recuperar a condição de Deus ou Todo Unificado.
Joel Machado
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