(Artigo de Reflexão) mauna | मौन | silêncio

Mauna, sânscrito, veicula a ideia de “silêncio”. Pode referir-se ao silêncio propriamente dito, portanto, a ausência de som ou ruído, assim como a um estado de reserva ou qualidade de abstenção em relação a entabular e manter conversação. Em alguns segmentos da Tradição Védica, o muni ou sábio que pratica o silêncio, recebe por vezes a designação de mauna. Concomitantemente, temos expressões como maunamudrā, “o selo ou atitude (mudrā) do silêncio” e maunavrata, o “voto de silêncio”. O significado último de mauna remeterá a um “Silêncio Profundo e Transcendental”, equivalente à Realidade Absoluta. Soteriologicamente, mauna traduz um estado de quietude interior, incondicionado, correspondente a uma mente pacificada ou, melhor, silenciada. Portanto, pode corresponder a uma definição de sāmadhi ou mokṣa. O Iluminado será o mauna ou aquele que está em mauna.

Mauna é o Silêncio que constitui em si uma Linguagem, porém ininteligível, a Linguagem do Absoluto, ou de Deus, usando terminologia judaico-cristã. De facto, a via espiritual em geral, não só na Cultura Hindu, transmite a ideia de que ao nível da prática contemplativa o silêncio deve ser uma atitude, consubstanciada na continência verbal e mental. Atitude essa que visa chegar ou transformar-se num fim. Através do cultivo do silêncio terreno, chegar-se-á ao Silêncio Espiritual. Historicamente, desde os primórdios da busca meditativa do ser humano, os místicos e contemplativos referem uma adoração ao Inefável residente no silêncio, dado que Esse está (ou É) no Silêncio, sinónimo de eternidade.

George Prochnik, autor do livro In Pursuit of Silence, que inspirou um documentário homónimo e aconselhado, destaca duas etimologias da palavra “silêncio”: ana-silan, que aponta para “o vento mitigando-se até desvanecer”; e desinere, alusiva à “paragem do movimento”. Ambas remetem à cessação de algo, além do som propriamente dito. Ora, sabendo atualmente através da Ciência Experimental que não existe uma ausência total de som, em termos de decibéis, tal como George Prochnik, diríamos que esta “cessação”, não é exclusivamente de som, mas acima de tudo do ego e do modo como essa instância psíquica se impõe cacofónica na nossa percepção do mundo.

Portanto, a ideia geral é a de que há um caminho de silêncio mundano para chegar ao Silêncio Transcendental. Numa primeira fase, ao cultivar o silêncio, trazemos bem-estar à nossa vida, na medida em que diminuímos largamente a entropia. Isto é algo afirmado no documentário supra-citado onde se fala da relação entre doença, mortalidade e ambientes ruidosos, como mega cidades, por exemplo. Faz sentido! Quando nos envolvemos numa tarefa séria, procuramos distúrbio ou quietude? Procuramos sossego, tranquilidade, para ajudar à concentração dos nossos recursos mentais-emocionais na tarefa em causa. Numa fase ulterior, chegamos ao Silêncio Interior, pois em virtude da profundidade meditativa, saímos do jugo do autoconceito e da identidade para observar ou experienciar um alargamento da consciência, redutível à ideia de Si Transcendental. Mauna é esse estado de ausência de ego, quando passamos de uma identidade individual, encapsulada, para uma “Identidade” Universal, alargada.

Diríamos então que há um nível de silêncio terreno e outro, que chamaríamos Supra-cognitivo, situado além de pensamento e discurso. Consequentemente, a meditação será a prática do silêncio menor rumo ao Silêncio Maior. Por sua vez, a Iluminação será um ilimitado e indivisível Oceano Silente.

Celebrar um voto de silêncio, seja sobre que designação for, significará contemplar ou meditar sobre o Absoluto, entrando em “identificação” com Esse.

 

Joel Machado



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