(Artigo de Reflexão) prātipakṣa bhāvana | reprogramação cognitiva?

Patañjali, no segundo capítulo do Yogasūtra-s, sādhanapāda, afirma que “quando atormentado por pensamentos negativos, deve-se cultivar pensamentos em sentido oposto [e que] isso é prātipakṣa bhāvana” (II:33-34). Do sânscrito, temos prātipakṣa como “contrariar” e bhāvana como “cultivar.

Este aforismo vem no seguimento da apresentação da díade yamanyama, Ética e Disciplina, como uma das bases da prática de Yoga. O ponto de partida é o reconhecimento da ignorância que leva à dor. Estando alheios ao tipo de narrativas que a nossa mente propaga, avulso, mantemo-nos presos a ciclos (nesta vida e nas vindouras) caracterizados pelo teor dessas narrativas. Então há que observar o tipo de pensamentos e emoções que o aparelho psíquico vai narrando ao longo do dia, na vigília, e da noite, em sonhos. O caso concreto da negatividade é particularmente caro! Fomentar pensamentos perversos, ou sequer permitir que voguem sem vigilância, acarreta um manancial de dor e ignorância. Cada forma de pensamento, e subsequente emoção, é um potencial de concretização de acordo com a sua natureza. Ódio mental leva ao ódio físico, seja orientado contra o próximo ou contra o próprio, porque ambos estão interligados. Como diz o adágio budista, “dardejar raiva contra o outro é semelhante a tentar agredir alguém atirando-lhe um tição em brasa, queima-se as mãos e cria-se um inimigo”. Com efeito, para além da desavença relacional resultante, parece haver uma correlação entre pensamentos negativos e enfermidades físicas. Uma mente tóxica injecta toxicidade no corpo e no mundo ao redor, quer fique no potencial, quer se traduza concretamente.

Reconhecendo os efeitos malignos, pessoais e sociais, de manter pensamentos e acções afinadas pela negatividade, lançamos mão de prātipakṣa bhāvana, a ferramenta cognitiva que assenta em contrariar a disposição à perversão com uma atitude mental benfazeja, repercutida em acções construtivas. Ao negativismo, violência, corrupção e indelicadeza responde-se com a “produção de estados de espírito diametralmente opostos, como positividade, decência, pacifismo e gentileza. Tem que haver um estado meditativo, de alerta, para nos apercebermos de que mareamos em ”maus” pensamentos, para depois passar à fase seguinte, isto é, recalibrá-los. Se pegarmos em alguns dos 20 yamanyama-s apresentadas pela Haṭhapradīpikā, o texto seminal do Haṭhayoga, podemos simular o tipo de intervenção psicológica proposta pelo Prātipakṣa bhāvana. Quanto a yama-s ou Ética: ao desejo de “olho por olhos, dente por dente”, contrapomos com perdão (kṣamā); à crueldade pensada, contrapomos compaixão (dayā); o anseio por exuberância e ostentação, contrariamos com simplicidade (ārjavam). Quanto a yama-s ou Disciplina: a soberba e a falta de humildade devem dar lugar à modéstia (hrī); à imprudência no julgamento precipitado, opõe-se a prudência (matī) de avaliar todas as variáveis, tentando inclusive encontrar aquelas que não vemos à partida, ou que o ego, não quer que vejamos; o afã de acumular deve ser contrariado com a acção caridosa (dānam).

Em termos psicológicos, estaremos a falar de uma reprogramação mental, aludindo à metáfora computacional. Prātipakṣa bhāvana é uma estratégia cognitiva que podemos incorporar em todos os domínios da prática de Yoga mas, acima de tudo, na vida quotidiana. É sabido, por exemplo, que a Psicologia cognitivo-comportamental trabalha amiúde nestes moldes.

Lembremos que prātipakṣa bhāvana é um instrumento ou estratégia que faz sentido numa primeira fase, posteriormente, a ideia é desapegar de qualquer tipo de produção mental e emocional, seja ela “negativa” ou “positiva”. Isto porque ambas geram karma, sofrimento existencial. Para fins de bem-estar mundano, prātipakṣa bhāvana é adequado, para fins soteriológicos, requer algo mais.

 

Joel Machado

 

(Rir... para sorrir do "terceiro olho" | Foto/Créditos: Joel Machado)

 

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