Educai as crianças e não será necessário punir os homens. Atribuída a Pitágoras, a frase anterior é daquelas que fruem de grande sucesso e disseminação pela Internet. Cremos que dificilmente se poderá discordar do que professa. Com efeito, num enfoque mundano, a falta de Educação, Formal, Familiar e Espiritual, será a principal razão pela qual a relação Humanidade-Planeta chegou ao decrépito estado que se observa.
Guerra, degradação social, miséria, caos ambiental, furor identitário, egolatria, autoritarismo, corrupção endémica, falência familiar, narcisismo, a lista estender-se-ia, serão algumas das consequências da profunda ignorância em que se encontra larga parte da espécie humana. Ignorância, diríamos, em relação à sua condição “individual” e holística, que, voltemos a repetir, poderia ser transcendida através de uma boa Educação no seio da família, da escola e da sociedade em geral.
Olhando para a Educação Formal, apesar de tudo, tem vindo a conhecer um acréscimo quantitativo, restando a dúvida se também qualitativo. Nos países desenvolvidos a escolaridade é considerada um alicerce da estrutura social. Na Europa Ocidental, a norma aponta para doze anos de escolaridade obrigatória, do pré-escolar ao básico e secundário. O Ensino Superior organiza-se em ciclos de estudos da Licenciatura ao Mestrado e Doutoramento. Apesar de já terem conhecido melhores dias (quando os números e estatísticas de montra não eram mais importantes que o próprio conhecimento em si), os sistemas educativos formais serão satisfatórias. Há também programas de cidadania incorporados que poderiam ser ainda melhores, e oportunos, se não sucumbissem aos desígnios caprichosos de certas políticas identitárias, trazendo a espaços mais dano do que beneficio. Nos países sub-desenvolvidos analfabetismo e iliteracia constituem problemas quase endémicos, basta olhar para os dados da UNESCO, por exemplo. O resultado é a perpetuação dos problemas estruturais que os condenam a viver uma condição de exploração, subserviência, impotência, estagnação e até involução.
A Educação Familiar talvez se afigure um dilema atendendo a que, com a Globalização, a família esteja em crise, inclusive, ameaçada de colapsar. Se as culturas criam sociedades onde, pela premência de garantir a sobrevivência, pais não possam dar atenção decente aos filhos, há a perpetuação geracional de um sentido de negligência bem como um défice na transmissão de valores essenciais. Uma mãe que sai de casa às 6h da manhã, para trabalhar, e só volta ao final da tarde ou noite durante cinco ou seis dias por semana, vê o seu papel maternal ameaçado. Igualmente para um pai que se depare com similares contingências. A situação piora quando pais e mães já foram “criados” no mesmo registo, havendo uma perpetuação de carências de atenção, afectivas e educativas. Até quando a educação de berço é valorosa, essa sociedade de idolatria ao trabalho, consumo e lucro cria ambientes tóxicos, físicos e psicológicos, que frequentemente destroem o serviço bem feito em casa. Isso pode ser visto no percurso escolar e académico, em geral, onde frequentemente parece haver uma involução. Tábua-rasa, a criança entra na pré-escola normalmente gregaria e o jovem-adulto sai da faculdade com um pendor narcisista, predatório e canibal para poder sobreviver no cruento mercado de trabalho. Deve ser um tremendo esforço de desapego para os pais que, de algum modo, vêm o seu trabalho destruído por uma comunidade antagonista.
Onde entra então a Educação Espiritual? Primeiro, talvez seja melhor falar em termos de Educação Contemplativa, mesmo que represente precisamente o mesmo. Essa opção porque o termo “espiritual” é muitas vezes confundido com credo religioso no sentido institucional. Espiritualidade não é religião, Católica, Judaica ou Islâmica, é fomentar a atitude de tirar ao ego o estatuto de locus existencial do sujeito. Isto, por seu turno, é pura educação, neste caso, Contemplativa. E como se faz isso? Ensinando Ética, Concentração e Meditação desde tenra idade e fomentando a prática recorrente destes três factores para o resto da vida de qualquer pessoa.
A Ética não é moral, como já temos afirmado, assenta na racionalidade. “Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti”, por exemplo. Ora, não é preciso ser um génio para especular que se fossemos gentis entre nós, o mundo seria bem mais “doce”. Pouca gente duvida que violência só gera violência. Que módulos de educação ambiental poderão frutificar, como se vê na prática pelo insucesso patente nos comportamentos dominantes não-sustentáveis, se não houver uma fundamentação na interdependência, na afirmação da nossa realidade sistémica? Com efeito, a Ética assenta sobremaneira no reconhecimento da interdependência. Pelo que resta questionar, o porque de se perpetuar numa postura destrutiva perante o próprio, o outro e o derredor?
A Concentração deveria ser estimulada, principalmente num mundo onde os estímulos crescem cada vez mais, em número e intensidade. Isso traria maior centração ao individuo, bem como vitalidade e bem-estar básico. De facto, assume-se cada vez mais que o excesso de estimulação traz inúmeros malefícios.
A Meditação seria o passo seguinte, pois implicaria apresentar à pessoa as técnicas de concentração contextualizadas a uma estrutura do aparelho psíquico. Somos educados a acreditar que a nossa existência é redutível aquilo que pensamos e sentimos na esfera do nosso auto-conceito. Consequentemente, isso afasta-nos do mundo, cria uma noção de separação fictícia e insalubre. No seio da família ensinamos à criança que se chama “Inês” ou “Gabriel”, o eu e o outro, como referencial primordial. Na escola insiste-se no estabelecimento dos limites, conceito de propriedade, a superlatividade em relação ao próximo. No meio disto, não ensinamos crianças e jovens a relacionarem-se com os seus pensamentos e emoções, logo a relacionarem-se com os pensamentos e emoções dos outros. Ao invés, promovemos uma basilar e continua identificação com os mesmos, cavando o vício em máscaras, papéis e identidades. Não ensinamos a vulnerabilidade como condição natural de alguém que está imerso num sistema constituído por um jogo de forças maiores. Aliás, tende-se a negar essa evidência, incitando à luta contra o mesmo, por mais desgastante e desadaptativo que se venha a revelar, individual e colectivamente. Cria-se uma bola de neve de disfunção psicológica pessoal e social.
Em suma, e tendo ficado muito por dizer, é possível que sem Educação Contemplativa a espécie humana venha a curto-médio-prazo “passar um mau bocado”, enfrentando o perigo real de extinção. E se for tentador classificar a frase anterior de exagerada ou alarmista, então, fica a sugestão de se olhar ao redor e analisar o cenário global actual de calamidade humana, social e ambiental quase generalizado. A qualquer instante podemos mudar de sentido ou direcção, é uma questão de acção. Quanto mais tarde o fizermos, maiores serão as consequências com que teremos de lidar, para o melhor e para o pior. Para um mundo sadio, Educação Familiar, Formal e Contemplativa deveriam coexistir, integradamente. Pelo que, cremos, investir pessoal e colectivamente nestas dimensões seria a forma por excelência de agir, na tal mudança de sentido ou direcção. A concretização do futuro, tendo em conta o presente que estamos a burilar, ditará o veredicto.
Joel Machado
(Gerações | Foto/Créditos: Marcela Manso)
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