Mircea Eliade em Yoga, Immortality and Freedom define sandhābhāṣya, do sânscrito, sandhā ou “intencional” mais bhāṣya ou “tratado (linguagem)”, como a Linguagem Intencional. Antes, denominações como Linguagem Crepuscular ou Linguagem Secreta também foram empregues. Não havendo um consenso etimológico, o que é frequente, a ideia subjacente a qualquer uma das expressões é clara: uma Linguagem que aborda colateral, metafórica ou codificadamente determinado assunto esotérico, espiritual ou místico.
A sandhābhāṣya (ou sāṃdhyābhāṣā, sāndhyābhāṣā, sāṃdhyabhāṣā, sāndhyabhāṣā) assentará predominantemente na polissemia, isto é, na possibilidade de uma palavra ou frase possuírem múltiplos significados, concomitantes no âmbito de um campo semântico relativamente circunscrito. Um exemplo, entre os mais comuns, é a utilização da metáfora erótica-poética, vemos isto de forma paradigmática na Literatura Tântrica e em alguns tratados de Haṭha. Também pode assentar num código deliberadamente encriptado, pelo que a leitura compreensiva do mesmo só poderá ser possível mediante o recurso a uma chave.
Esta comunicação críptica ocorre transversalmente às Tradições Espirituais em geral, daí que a interpretação literal dos textos constituía frequentemente uma abordagem errada. Relembremos o exemplo costumeiro da metáfora erótica, presente no Tantra e no Haṭha, que a tantos equívocos tem levado. Usa-se frequentemente a metáfora da união sexual nestas Literaturas para transmitir de indirecta ou veladamente os ensinamentos. Talvez assim se entenda que encontremos registos textuais que tanto orientam ao sexo com a própria mãe (Yogakarnikā) ou indiquem o consumo de urina, fezes, sémen, sangue menstrual e muco (Haṭhapradīpikā ou Yogaśāstra, entre outros exemplos).
O que levará místicos e contemplativos a optar por colocar o registo escrito de forma oculta? Primeiramente, quiçá a ideia seja a de não querer enformar o que não se compadece com a forma, daí a subjectividade, daí deixar “algo “ em aberto na forma como o conhecimento ou a instrução são transmitidas. O próprio iniciado ou estudante deve receber o ensinamento sem fronteiras definidas, para não perder o essencial apegando-se ao aparente. Lembremos a pedagogia dominante do Advaita Vedānta que assume que o ensinamento ocorre por indicação ao discípulo, e não propriamente por uma transmissão directa. Segundo, o segredo é tido como fundamental em praticamente todas as Místicas e Gnoses, sobretudo as iniciáticas. O processo de iniciação assenta frequentemente na transmissão de um segredo: conhecimento, técnica contemplativa, etc. Há efectivamente a crença numa espécie de princípio da conservação da energia: o sucesso da iniciação e subsequente caminho contemplativo, segundo inúmeras tradições depende do seu secretismo. Por isso mesmo o elo estabelecido entre mestre e discípulo era, frequentemente, selado por um pacto secreto. Terceiro, não havendo preparação a vários níveis (do físico ao ético) determinados ensinamentos podem ser lesivos para o próprio ou usados para fins menos dignos, entrando-se no binómio do bem versus mal. Por último, os detractores serão outra razão. Ao longo da História têm-se sucedido períodos de perseguição a místicos e contemplativos. Os textos alquímicos da Idade Media na Europa são um bom exemplo, na medida em que eram redigidos e ilustrados de modo abertamente cifrado, para escapar às garras da Inquisição. Na actualidade temos o exemplo, alegadamente, da tentativa de apropriação por parte do Governo Chinês da Linhagem Dalai Lama, procurando maneira de determinar um sucessor do “seu agrado”.
Esta Linguagem Intencional ou Crepuscular não ocorre exclusivamente em ambientes formalmente Espirituais, sendo frequente na literatura poética. Fernando Pessoa é muitas vezes apontado como um exemplo, devido ao seu aberto interesse pelo oculto e astrologia.
Joel Machado
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