Como muitos termos sânscritos, nāda vai tendo várias definições, algumas distando mais entre si que outras. Geralmente, na Metafísica de algumas escolas de pensamento e seitas indianas de Yoga, nāda, define a “vibração insondável” que preenche o Cosmos. Trata-se de um som subtil, inaudível, contrariamente ao som grosseiro e ponderável. Esta ideia deriva da concepção de uma gradação hierárquica da vibração, consubstanciada numa gradual materialidade consubstanciada até ao mundo terreno. Usa-se para explicar essa gradação, com frequência, uma alegoria assente na evolução da Linguagem. Assim, a progressão do mundo material parte de uma palavra transcendente, para uma subtil, chegando à grosseira. Aqui o termo “palavra” pode bem ser substituído ou igualado ao termo “som”. Aliás, a “palavra” é “som”, algo consistente com a constante equivalência entre os conceitos de śabda e nāda. Śabda Brahman e nāda são a primeira expressão da criação, o Substracto. É interessante se relembrarmos que o Velho Testamento afirma que “no início era o verbo”. Extrapolando, obviamente, pode haver aqui uma paridade.
Nāda traduz o som, tom ou pulsar matricial do universo, mas também a corrente contínua de Consciência. Essa Consciência ou Vibração Primordial materializa-se somente fruto da conjugação com bindu, o “ponto”, um pressuposto Tântrico. Com efeito, segundo segmentos da filosofia Śākta, o Tantra matriarcal, nāda é a Pura Consciência na iminência de se manifestar, materializando-se ao associar-se a bindu. Temos portanto uma díade nāda-bindu, respondavel pela criação da materialidade, do mais subtil ao grosseiro, onde nāda é Śakti e bindu representa Śiva. Outras interpretações invertem esta paridade equiparando bindu a Śakti e nāda a Śiva. Talvez interesse reter “apenas” a premissa fundamental: que há um potencial criativo de concretização que, quando activado por um princípio activo, efectiva a materialização num espectro de progressiva densificação. Interessantemente, a Igreja Ortodoxa Oriental poderá ter na sua Teologia um pressuposto semelhante, se relembramos os conceitos de ousia e energeia. A primeira instância, essência, traduz tudo aquilo que subjaze, mas não “é” materialmente. A segunda instância, energias, indica a consubstanciação da acção no mundo. Ora, ousia e energeia formam uma díade, tal como a bindu-nāda e Śiva-Śakti. Estamos a falar do binómio metafísico potência-acção.
Tendo nāda uma natureza “acústica”, subtil e grosseira, faz sentido que esteja associado à teoria e prática de mantra, no seio do Yoga. Do nāda, princípio sonoro transcendente, evoluem discurso, frases, palavras, sílabas e letras, até ao subtil. Esse é o itinerário proposto, em geral, pelo mantraśāstra ou “ciência do mantra”. Portanto, tais práticas que vão da vocalização do mantra à sua recitação interior, visam atingir ou recuperar a capacidade de perceber a vibração subtil nāda, interiormente. A Tradição e literatura do Yoga, em geral, afirma que isso é possível, através de técnicas de interiorização da atenção que mitigam ao máximo ou encerram a percepção sensorial. Um exemplo é o nāḍānusandhāna na Haṭhapradīpikā.
O conceito de nāda, a par de outros, tem ganho relevo recentemente na cultura mainstream do yoga, pelas especulações em torno da sua validação científica. Dissemina-se a ideia de que nāda, enquanto vibração perene subjacente ao universo, manifestado e não-manifestado, é uma noção comprovada pela Moderna Física. A saber-se, e até ao momento, isso constitui mais um sincretismo, num rol já conhecido, do que facto.
Assumidamente subjectiva, é a curiosidade de nāda sânscrito poder associar-se foneticamente ao “nada” português. Sobretudo se reconhecermos que o termo possa e seja empregue com uma conotação, diríamos mística-poética, quando alude ao Todo que pervaga tudo, o Eterno Vazio de onde tudo mana.
Joel Machado
#yoga #tantra # meditação #contemplação #nada #nāda