A palavra kuṇḍalinī, do sânscrito, pode traduzir-se como: “círculo” ou “circular”; “anel”, “anular” ou “em forma de anel”; “pulseira”, “bracelete”; um “fio dobado” ou uma “cobra enroscada”. Mantendo esta tónica, é comum surgir como sinónimo de kuṇḍalin, kuṇḍa ou kuṇḍalī, entre outros. Também pode nomear directamente a Suprema Deidade ou Força Universal Feminina, a Śakti do Tantra que assume nomes como Durgā ou Kālī. Seja um anel, uma corda, cobra ou serpente (imagem mais popular), o significado basilar de kuṇḍalinī remete para algo que está enrolado, fechado, em contenção ou latência. Usando de uma metáfora menos frequente, a kuṇḍalinī será como um novelo enrolado que pode ou deve ser desenrolado, segundo algumas Escolas de Yoga. Esse é um novelo de força ou energia que se multiplica à medida que vai sendo desfiado. Assim a ideia genérica é de uma energia potencial que pode, mediante tecnologia contemplativa, acção psico-espiritual do mentor (Śaktipāta) ou fortuito acidente, passar ao estado cinético. Alegoricamente, é uma cobra que está dormente no umbigo, cóccix ou períneo (varia bastante) e que, quando excitada, se desenrola e sobe pela espinha até ao topo da cabeça. Esse processo implica a passagem de uma condição condicionada para um estado de iluminação (mukti) e/ou o despertar de poderes paranormais (siddhi-s).
Apesar do conceito de kuṇḍalinī ser amplamente explorado no espaço do Haṭha e das Yoga Upaniṣad-s de tonalidade Vedānta, crê-se que seja bastante anterior. Podemos verificar isso na associação ao conceito de bindu que, apesar de poder assumir inúmeros significados, em determinada fase da evolução e História do Yoga, reporta algo símile à kuṇḍalinī: uma energia primordial ou vital que, por via do hábito de manter uma mente desconcentrada, se desbarata constantemente e que deve ser conservado, mediante acções mecânicas (posturas), pneumáticas (respiração condicionada) e com atitude meditativa (concentração). Vemos isto, claramente, na Tradição Textual do Tantra e do Haṭha onde nos primeiros textos se fala de bindu e só mais tarde de kuṇḍalinī. A kuṇḍalinī tem implicações profundas na definição do corpo no Yoga porque, ocorre associada a conceitos fundamentais como cakra ou nāḍī, respectivamente, focos e canais de circulação de energia.
Há uma interpretação menos comum do conceito e processo de kuṇḍalinī mas que, eventualmente, poderá fazer mais sentido. Essa versão é apresentada no Yogayañjnavalkya, um texto Vaiṣṇava, cara aos círculos Vedānta, e define a kuṇḍalinī como um bloqueio à circulação de prāṇa. Significa que a tal libertação de kuṇḍalinī é afinal uma libertação de prāṇa. Podemos vê-la então como um anel, tipo “esfíncter” que está fechado e, sendo aberto, permite uma libertação inusual de prāṇa ao resto do corpo, com todas as consequências que isso acarreta. Alternativamente, a kuṇḍalinī como um cobra que está enrolada sobre uma portada impedindo assim que o prāṇa passe através desse. A kuṇḍalinī será uma espécie de válvula (pulsante) que está alinhada com a respiração física-subtil, modulando-se esta, provoca-se o fecho ou abertura daquela.
A ideia de kuṇḍalinī ocorre noutras Tradições Espirituais!? Diríamos que sim. Parece haver um conceito-comum de uma espécie de “fogo” ou “energia” espiritual que se liberta mediante a prática contemplativa. Especulando, vejamos João Baptista, no Novo Testamento ao anunciar a vinda de Jesus como alguém que não baptizará com água, antes com fogo, o Espírito Santo! Em Actos dos Apóstolos, anuncia-se a segunda vinda de Jesus como trazendo uma série de prodígios, um deles será o derrame de Espírito Santo, colectivamente.
A Jung a quem frequentemente nos círculos esotéricos se atribuem ideias e afirmações que não foram remotamente suas, associa a kuṇḍalinī à ligação entre consciente e inconsciente. No processo de individuação da pessoa, havendo uma má ligação ou repressão de materiais psicológicos (e dependendo do volume e intensidade desses) uma subida de kuṇḍalinī pode ser o equivalente a um ataque psicótico.
Joel Machado
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