Historicamente, a palavra saṅgha foi usada para significar uma “assembleia governativa”, em república
ou monarquia. Porém, a sua denotação mais comum tornou-se outra. Sobretudo em
círculos budistas, saṅgha, do
sânscrito, define "comunidade". Num sentido mais estreito,
refere-se a um grupo de pessoas que abraçam, praticam e professam os preceitos
e práticas de determinada Ciência Contemplativa. Daí também se encontrar em jainas
e sikhs, por exemplo, podendo ser uma comunidade monástica, laica ou mista.
Latamente, diríamos que saṅgha referir-se-á a algo maior: a família, a etnia, o bairro, a pátria,
a continentalidade, a população global, as espécies animais e vegetais, ecossistemas, tudo será
saṅgha, tudo remeterá para saṅgha. Em última análise, à medida que
avançamos na escala de grupos, dissolvemos as barreiras que delimitam
territórios, chegando a “agregados” cada vez maiores, a uma só saṅgha. Subjacente a este alargamento do
conceito, além da mera ideia de comunidade formal-espiritual, está a noção de
interdependência, isto é, que tudo se interliga de modo inexorável.
Cremos hoje que uma floresta se manifesta mais como
um todo do que como um conjunto de árvores isoladas: as raízes tendem a interconectar-se,
estabelecer “alianças” com fungos e outros seres, formando uma “entidade”. No
mundo animal, é consensual que a sobrevivência de uma espécie depende da continuidade
de outras, seja em termos de consórcios como simbioses, mas também nas relações
presa-predador. A chave reside no equilíbrio das relações cooperativas ou
competitivas. Naturalmente, isto verte para o Ser Humano, enquanto ser natural,
social e individual.
Naturalmente, o Ser Humano depende do mundo ao
redor. O ar deve estar limpo, as águas puras, as fontes de subsistência salutares
e comedidamente exploradas. Não se garantindo isso, compromete-se a manutenção
da espécie, algo que se afigura um problema actual. Socialmente, a dependência
é interna, ou seja, os elementos que constituem o grupo devem articular-se em
harmonia, de modo a fomentarem o sucesso mútuo, e não o oposto, sob pena de
aumentar comportamentos agressivos e déspotas em detrimento de parceria e altruísmo.
Na sociedade, na cultura, não haverá dispensáveis, somente indispensáveis: se
os médicos deixarem de trabalhar, ninguém terá acesso a cuidados de saúde; por
outro lado, se os funcionários de saneamento público se recusarem a trabalhar,
aos médicos não valerá a sua ciência face à proliferação desbragada de sujeira
e pragas. Não haverá melhores ou piores! Individualmente, a dependência ocorrerá
a um nível íntimo. Com efeito, considerar o Ser Humano um corpo exteriormente delimitado,
já será discutível, alargar isso ao interior, mais ainda. Então, o que dizer da
quantidade de bactérias que vivem em sociedade com qualquer pessoa? A
microbiota intestinal? No fundo, não acabará o ser humano por ser uma “colónia”, bem ou
mal sucedida, consoante se aproxime ou afaste de um estado de harmonia interior?
Em suma, o corpo humano será uma comunidade inserida numa comunidade, e este a
noutra, por aí fora, até haver uma só – aqui se vendo a potencial futilidade e perigo
das ideologias identitárias.
Por detrás disto, estará a interdependência, que por sua vez será um dos pilares de qualquer Ciência Contemplativa: o reconhecimento de que dependemos uns dos outros, não existindo barreiras espaciais ou sequer temporais: não colhemos hoje o que foi semeado pelos antepassados? Não colherão as gerações vindouras o que plantarmos agora? Parece efectivamente estar tudo interligado! É por esta razão, e outras, que reflectir e meditar sobre a interdependência é um exercício fundamental das práticas espirituais. Abrirá as portas a uma percepção ampla, caducando o foco meramente individual, que fatalmente recai em egoísmo ou narcisismo. Porque não experimentar?
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