(Artigo de Reflexão) aṅga | अङ्ग | auxiliar

No contexto do Yoga a tradução mais comum para aṅga, do Sânscrito, é “ramo”. Se assumirmos que o Yoga é um Fim, em si, atingir a Libertação, então existem meios para o alcançar. Ora esses, meios são os aṅga-s, e por isso mesmo preferimos traduzir para o português como “auxiliares” ”, tal como é proposto por James Mallinson & Mark Singleton em Roots of Yoga.

Os aṅga-s representam, assim, os instrumentos teórico-práticos de que podemos lançar mão para resolver os dilemas existenciais que nos impedem de percepcionar além do condicionamento, segundo o qual existencialmente nos identificamos com as narrativas do nosso ego.

A Tradição e Literatura do Yoga têm proposto várias sistematizações de aṅga-s. Do Tantra ao Haṭha, as diferentes Escolas e Seitas costumavam apresentar o problema existencial segundo uma metafísica e, subsequentemente, o conjunto de “auxiliares” que deveriam ser adoptados (normalmente seis) para resolver o problema.

No entanto, devido à popularidade mundial que ganhou o Yogasūtras-s, a sistematização mais conhecida será a do Yoga Clássico de Patañjali. Segundo esta versão partimos da definição de Yoga, segundo a qual, esse é um estado que corresponde à desidentificação e cessação das oscilações mentais. O problema reside no facto de estarmos numa situação oposta ao do estado do Yoga: por hábito, deambulamos ao sabor da identificação com tudo o que a nossa mente produz e assume na estruturação do auto-conceito. A solução passa por tentar “voltar” ao estado de Yoga, usando de um conjunto de auxiliares propostos. Patañjali prescreve a prática contínua (abhyāsa) e desapegada (vairāgya) de oito yogāṅga-s: yama, nyama, āsana, prāṇāyāma, pratyāhāra, dhāraṇā, dhyāna e samādhi.

Yama corresponde a um conjunto de cinco Princípios Éticos que o praticante deve assumir: ahiṃsā ou pacifismo; satya ou veracidade; asteya ou honestidade; brahmacarya ou continência; e aparigraha ou desprendimento. Nyama define cinco tipos de observâncias que devem ser adoptadas: śauca ou higiene física e mental; saṃtoṣa ou contentamento; tapas ou rigorosidade; svādhyāya ou estudo do próprio e do universo à luz das escrituras; īśvarapraṇidhāna ou devoção a Deus (īśvara). Yama e Nyama surgem como uma díade e são como que preliminares e transversais aos restantes auxiliares. A postura estável e confortável é āsana e deve ser assumida para prática da meditação, neste particular diz respeito a posição sentada. Prāṇāyāma é o exercício de condicionamento da respiração, focado na extensão das inspirações e expirações, bem como o domínio da técnica de retenções. Pratyāhāra é o auxiliar que veicula o domínio sobre os sentidos, interiorizando-os. Dhāraṇā é a concentração da mente num foco, através da atenção. Dhyāna é um estádio avançado de concentração, denominado “meditação”. A diferença entre um e outro tem a ver com a qualidade do fluxo da atenção: num é pontual, noutro passa a ser contínuo. Samādhi é o pináculo da meditação, quando o fluxo de atenção é tão “coerente” que não há interrupção nem distinção na percepção do observador e objecto observado. Portanto, samādhi simultaneamente o auxiliar e fim do Yoga.

Os aṅga-s podem ser configurados mantendo uma relação hierárquica ou transversal: algumas interpretações apontam que o praticante percorra os aṅga-s como uma escada, um a um; outras leituras sustentam que os aṅga-s fazem sentido numa acção concertada.  As sistematizações de aṅga-s serão um indicador da natureza formal e organizada do Yoga enquanto Ciência Contemplativa.

Joel Machado

 


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