(Artigo de Reflexão) vṛtti | वृत्ति | oscilação mental

yogacittavṛttinirodhaḥ. Assim, versa o segundo e celebérrimo aforismo do primeiro capítulo, samādhi pada, do Yogasūtra-s de Patañjali. Podemos traduzir para o português, por exemplo, como “o yoga é a supressão das flutuações mentais” ou “o Yoga é a cessão da identificação com as oscilações mentais. De um modo o de outro, esta é a premissa básica do modelo da mente (como sinónimo de aparelho psíquico) proposto por Patañjali. O que sustenta!? Fundamentalmente, que a mente está constantemente espertada por estímulos, externos e internos, gerando oscilações (vṛtti-s) que se traduzem em sensações mentais ou emocionais. Isso é um facto incontornável, o que pode mudar é a nossa atitude em relação ao mesmo: (1) se nos identificamos com tais oscilações, então vivemos num estado condicionado; se assumimos a postura da Testemunha que observa neutralmente essas oscilações, passamos a um estado incondicionado. Por outras, palavras, a identificação com os vṛtti-s faz com que formemos um auto-conceito que é o reflexo dos mesmos. Consequentemente, geramos karma e propensão ao renascimento, perpetuando o ciclo de existências. Quando se interrompe a identificação com os vṛtti-s, o sujeito individual deixa de existir, passando a “ser” o Todo Unificado. O resultado é a cessão de karma, logo a estado Iluminado em que não há ego, apenas a Consciência Universal, primeiro “a bordo” do corpo físico e, posteriormente, livre desse invólucro.

Isto tem tremendas implicações porque, segundo esta “psicologia de Patañjali” nós somos aquilo com que nos identificamos: pensamentos e emoções turbulentas geram focos de auto-conceito negativos; ao passo que pensamentos e emoções apaziguadoras geram focos de auto-conceito positivos. Isto sucede devido à natureza dos cinco vṛtti-s que podem ser não-dolorosos (akliṣṭa) ou dolorosos (kliṣṭa). Conhecimento correcto ou pramāṇa é o vṛtti não aflitivo. Conhecimento errado ou viparyaya, imaginação ou vikalpa, sono ou nidrā e memória ou smṛti, são os vṛtti-s dolorosos. Notemos que o fato de um vṛtti ser não-doloroso, não significa que seja “bom”, do ponto de vista soteriológico, pelo contrário, a identificação com esse leva ao mesmo que a identificação com um vṛtti-s dolorosos, diferindo que a sensação resultante é percepcionada como sendo positiva. No final o resultado é o mesmo, perpetuação do estado condicionado de ignorância.

A imagem da encíclica, provavelmente, é uma das que melhor representa o conceito e mecânica da relação entre vṛtti-s e mente. Pedra e água são, respectivamente, o estímulo perceptivo-mental e superfície sensível da mente. Se atirarmos a pedra ao lago, o que ocorre na sua superfície? Causa uma série de ondulações que “perturbam” a acalmia, gerando um conjunto de ondas concêntricas, às quais se dá o nome de encíclica! Ora, essas ondas circulares são os vṛtti-s. A partir daí ou vamos com a ondulação, através da atenção dispersa, ou permanecemos na nossa natureza fundamental de “água”, mediante atenção concentrada. O contemplativo experimentado e realizado é aquele cuja mente é uma superfície aquosa tão plácida que, mesmo recebendo pedradas, não é afectado pelas interferências.

Teoricamente, o entendimento dos vṛtti-s e sua mecânica pode revelar-se um importante trunfo no discorrer da prática. Permitir-nos-á ter consciência, por exemplo, do porquê de sermos tão susceptíveis. Com efeito, a nossa dinâmica comportamental errática terá bastante a ver com esta natureza volátil dos vṛtti-s. A velocidade com que, psicologicamente, se passa do céu ao inferno, e vice-versa, é resultante da ignorância face a todo este processo.

O objectivo da prática contemplativa, assumindo uma atitude meditativa com perseverança (abhyāsa) e desapego (vairāgya), é sair do ciclo de identificação com as oscilações da mente, assumindo uma postura de Observador Perene.

 

Joel Machado



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