Certa vez, perguntou-se a um professor de Yoga qual o seu clube de futebol. Esse ensaiou um ar de choque. “Que raio de pergunta! Yoga e futebol são incompatíveis. O yogin deve abster-se de coisas como ver futebol!” Curiosamente, por vezes, o mesmo professor parecia defender a sua escola filosófica com a mesma gana com que um Super Dragão defenderia o seu F.C. Porto. Talvez a pergunta não tenha sido inocente…
O contacto com o Yoga pode, por vezes, alimentar o problema que se propõe a resolver: a identificação com o ego. Não é ao acaso que existe um interesse da Psicologia numa eventual correlação entre Yoga e egocentrismo. Indirectamente, William James terá sido um dos primeiros a apontar essa possibilidade de modo consubstanciado, ao sugerir que" a prática de determinadas potencialidades levariam ao engrandecimento do auto-conceito" (1). Uma investigação recente (2), testou este pressuposto no contexto do Yoga e curiosamente confirmou-o ao registar um aumento do sentido de ego em praticantes de Yoga.
Será verdade? Sabemos que as investigações científicas têm uma validade relativa, é importante não sacralizá-las e, acima de tudo, ter cautela na generalização. Em todo o caso, talvez o Yoga, quando mal-entendido, possa realmente engordar o ego ao invés de o emagrecer. Se observarmos os ambientes de prática e entabularmos conversação com muitos praticantes, parecem pulular uma certa pretensão ou intitulação. Quiçá isso alimente uma imagem existente, preconceituosa, segundo a qual "os yogin serão um grupo de gente sentindo-se moralmente superior aos demais por não comer carne, ser amiga do ambiente, transparecer jovialidade, conseguir a proeza de por a perna atrás da cabeça e feitos afins".
A questão é que talvez estes não sejam propriamente praticantes de Yoga, pois ainda não terão entendido que o objectivo não é substituir uma máscara pessoal-social por outra, ao invés, dissolver qualquer máscara que seja. Na pior das hipóteses, pelo menos, ter em atenção que vestimos máscaras, que há esse hábito inconsciente ou irresistível! Então, o que parece suceder é que por ignorância epistemológica, algumas pessoas confundam o Yoga e a sua prática com o assumir de uma identidade alternativa, de maneira a sentirem-se confortáveis ou superiores, o que é um mecanismo normal do ego, enquanto instrumento cognitivo (temos “somente” que ter consciência dele).
Para ilustrar, voltamos ao exemplo do professor que defende o seu Vedānta ou o seu Budismo Tibetano, como quem defende Benfica ou Sporting. No fundo, terá simplesmente assumido um partido ou uma estética, tendo-se-lhe falhado o essencial do Yoga… assumir "nada", viver desapegadamente. Quem sabe, e num universo paralelo não veríamos esse professor nas bancadas do estádio da Luz ou Alvalade XXI, com a atitude sectária, torcendo pelo seu clube como quem torce pelo Zen contra o Sufismo. Acaba por ser mais aceitável uma atitude destes no futebol, acreditamos, na medida em que não há um pressuposto soteriológico, mas de mero entretenimento. Aliás, em determinadas circunstâncias talvez seja mais saudável assistir a um jogo de futebol, numa atitude descontraída e desapegada, de pura diversão, do que propalar a superioridade do Advaita Vedānta e respectivo guru, com as veias da testa dilatadas sob um rosto rubro.
Em suma, Yoga e meditação, em si, não fomentam o egoísmo. Nós, por estarmos tão enraizados no hábito de assumir personagens, é que podemos confundir o seu sentido elementar. Consequentemente, incorremos na substituição de narrativas egóicas. “Ontem era membro dos No Name Boys, hoje cresci, e sou iniciado no Kuṇḍalinī Yoga, porque é o mais avançado de todos os Yogas!" Troca-se um ego por outro. Esta é uma armadilha na qual é facílimo de se cair, pelo que não pretendemos incorrer na crítica leviana! Antes, na observação de um potencial problema!
Lembremos que a prática espiritual, seja ela qual for, assenta sempre no corte com o domínio do ego, no funcionamento do nosso psiquismo. Como aponta Lee Sanella, em The Kundalini Experience: Spiritual practice is primarily a matter of dealing with this automatic gesture of emotional withdrawal from the larger life or, if you will, God. It is this continuous gesture that is the ego, and it is the ego habit that prevents God-realization, or enlightenment, in the moment. Therefore, spiritual practice consists in constantly going beyond the wall of the ego, in reaching out and embracing all life fearlessly, with an open heart. There must be complete clarity and integrity in one's feelings. Most people are «collapsed at the heart. They are in doubt of God, others, and themselves. Their feeling being is stunted.
Joel Machado
1 https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/1948550616660158
2 https://qz.com/1307380/yoga-and-meditation-boost-your-ego-say-psychology-researchers/
(A Sedução do Espelho, Joel Machado)
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