(Artigo de Reflexão) viveka | विवेक | discriminação

Viveka é um termo sânscrito que significa “discernimento” e/ou “discriminação”. Descriminar e/ou discernir o quê? O Real do não-real, o Eterno do não-eterno, o Si-Transcendental do si-individual, o Verdadeiro do falso, o Permanente do impermanente. As respostas variam na forma, o conteúdo é comum. Assume-se (por via da especulação filosófica ou da experiência meditativa?) que há uma percepção ilusória, resultante da identificação ao ego, e uma percepção não-ilusória, quando o sujeito percebe que as fronteiras delimitadas pelo auto-conceito não existem, havendo apenas um Todo indivisível.

Usando terminologia Hindu, passa pela distinção ao redor de jīvātman e ātman, isto é a alma “individual” (vamos chamá-la assim), sem substância real, e a Alma Universal, omnipresente e sempiterna. Posto isto, a principal empresa do itinerário espiritual rumo a mokṣa, mukti, sāmadhi, nirvāṇa, e afins, passa por reconhecer a unidade existencial em detrimento da percepção fragmentária dominante, sendo viveka o instrumento (cognitivo e/ou meditativo) por excelência a facilitar esse reconhecimento.

Podemos configurar viveka como uma acção, mas também como um estado. Este ponto ficará ilustrado, por exemplo, nas palavras de Patañjali (Yogasūtra-s, I:28) ao afirmar que, lançando mão dos auxiliares do Yoga, a sua componente técnica, as impurezas são erradicadas dando lugar ao conhecimento discriminativo, viveka, que é a luz do conhecimento.

Então, e apenas para o presente objectivo, sem valor vinculativo, vamos traçar distinção ao nível da tradução entre dois tipos ou fases de viveka: teremos “discernimento” e “discriminação”. Enquanto discernimento, associaríamos viveka ao seu grau mais elevado, o tal estado de reconhecimento da unidade existencial. Enquanto discriminação, remeteríamos viveka ao instrumento mediante o qual vamos, na prática, no dia-a-dia, distinguindo entre o essencial e o não essencial.

Particularmente, viveka-discriminação será como uma lente cognitiva que, quando activada, veicula a capacidade de distinguir o que é substancial do supérfluo, em todas as dimensões da vida. Se tomarmos como referência o conceito de antaḥkaraṇa, um modelo Hindu de aparelho psíquico, o sujeito procede em viveka quando opera cognitivamente a partir de buddhi, ou seja, da função discriminadora que o leva a observar destituído de projecção egóica. Num sentido mundano, a viveka-discriminação ocorre quanto compreendemos que uma situação que segundo o ego diz respeito ao outro, à luz da verdade diz respeito ao próprio e a todos. A percepção ecológica serve um bom exemplo de agir em viveka. Não é irrelevante para um português que a amazónia brasileira esteja a ser dizimada. Primeiro, portugueses e brasileiros são conceitos fictícios que servem apenas para categorizar, não tendo validade intrínseca, já que todos são humanos. Segundo, a destruição da Amazónia no continente americano acarreta consequências reais no continente europeu, como por exemplo o agravamento da temperatura e subsequente seca prolongada. Facilmente continuaríamos a desenrolar o exemplo, desconstruindo, através de viveka-discriminação tudo o que são etiquetas usadas. Fique claro, o problema não são as etiquetas, elas tem uma função congnitiva importantíssima, organizar e simplificar. O problema é o facto de as assumirmos como a realidade constante e última.

Em suma, viveka, será a lâmina que dilacera a compulsão do ego para delimitar raias, levando-o a esvair-se. Em termos de prática contemplativa, a capacidade de discriminar o que é verdadeiro do ilusório distingue o praticante profícuo do limitado e, ulteriormente, o Iluminado do não-iluminado.

 

Joel Machado

 


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