(Artigo de Reflexão) ātman | आत्मन् | Si-Transcendental

Metafisica e espiritualmente, ātman é um dos termos mais caros ao Yoga, sendo o seu significado basilar às Ciências Contemplativas, em geral, por mais díspares que culturalmente se manifestam. Do sânscrito, ātman pode significar “essência”, “alento”, “espírito”, “alma”, ou “Si” em analogia ao termo inglês Self.

Tendo um sentido extremamente difícil de abarcar, dir-se-ia até ininteligível, destacam-se três ideias básicas relativas a ātman: princípio primordial, respiração e “identidade” transcendental.

Enquanto princípio primordial, ātman é a origem, é o todo, por isso mesmo é frequentemente discutido em comparação ou identificação a Brahman, o Campo Unificado. Se procurarmos uma imagem associada ao Cristianismo, ātman é alfa e ómega, ou seja, começo, final e tudo o que esse “intervalo” abarca, tal como é directamente mencionado em Apocalipse (1:8, 21:6 e 22:13) e indirectamente em Isaías (44.6-8).

Etimologicamente, ātman derivará de um termo do Proto-Indo-Europeu, etmen, que remete para “respiração” ou o “acto de respirar”. De facto, na actualidade o Alemão e o Holandês possuem cognatos de ātman, respetivamente adem e atmen (atum, em Alemão Arcaico e eþian em Inglês Antigo). Esta observação parece extremamente importante, pelo facto de uma vez mais se verificar a ligação entre a Respiração e o Todo ou Deus, transversal nas Ciências Contemplativas e Religiões. É também comum encontrarmos uma associação de ātman ao coração, como se este fosse um locus daquele. Com efeito, vemos isso no Hinduísmo, Budismo e Cristianismo, e outras manifestações culturais.

Quanto à ideia de “identidade” transcendental, ātman será o primeiro princípio, o Si-Transcendental presente em qualquer ser (vivo). Quiçá, entender-se-á melhor ātman na sua relação com os conceitos de jīvātman e Brahman (ou paramātman). Do egóico para o não egóico teremos: (1) jīvātman, o si-individual grosseiro e subtil, redutível à personalidade do sujeito, à pessoa individuada, a estrutura “delimitada” que reencarna consecutivamente no ciclo de mortes e renascimentos; (2) ātman será a essência imperecível do indivíduo, um Si-Transcendental, a verdadeira “identidade” de qualquer ente, situada além da identificação com o mundo fenomenológico, daí as aspas; ulteriormente, (3) Brahman (ou paramātman), serão o Não-Si ou Campo Unificado, pois, como já foi apontado, ātman é frequentemente equiparado a Brahman.

Reconhecer ātman é a meta do itinerário soteriológico. Isto parece ser consensual, à revelia da miríade de diferenças nos enquadramentos culturais e teórico-práticos da questão. Sejam monismos ou dualismos, o Fim será sempre a retoma da condição inerente a ātman: perceber que somos algo que está além do corpo e mente, Algo que é uma Consciência Permanente subjacente aos factores anteriores, porém, velada pelos mesmos devido à ignorância redutível à existência condicionada.

A Liberdade, chamemos-lhe mokṣa, nirvāṇa ou chrīstós, consistirá em adquirir ou recuperar o auto-conhecimento que identifica ātman ou a Essência como sede da existência. Tal como professava o Oráculo de Delfos, γνῶθι σεαυτόν ou “conhece-te a ti mesmo”, estaremos a falar do caminho que implica remover o véu que o auto-conceito coloca, velando a percepção da essência primordial. O “verdadeiro” auto-conhecimento, será a ida além da muralha individualizadora do ego, a identificação e interiorização de uma Visão de Todo.

Resta investigar e perseverar, sem expectativas, para tentar descobrir se é mesmo assim.

 

Joel Machado

 


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