(Artigo de Opinião) Violência no Yoga: seitas, escolas, estilos e professores

A violência na prática do Yoga é comum, contrariando um dos seus pilares de fundação, o princípio ético do pacifismo ou, em sânscrito, yamāhiṃsā. Frequentemente verificamos a violência contra o próprio e contra outros, podendo essa expressar-se psicológica e fisicamente, sendo que as duas formas acabam quase sempre por se entrelaçar.

A violência remete essencialmente para o abuso. Frequentemente, professores ou cúpulas de poder em instituições de Yoga, abusaram psicológica e fisicamente de alunos e aspirantes. Não é novo, é algo que faz parte da História do Yoga. As formas de violência podem ser várias. Aquela de que mais se fala, por ser particularmente cara nos dias de hoje é a sexual. É extremamente importante que seja abordada, por todas as razões e mais algumas. Porém, é igualmente importante lembrar que há outras formas de abuso que não merecem tanta atenção da sociedade mas ocorrem. Os abusos emocionais e económicos são dois casos paradigmáticos. Na prática, acontece quando o professor “arrebata”: (1) um aluno mentalmente debilitado para lhe pagar a renda do espaço; (2) uma aluna emocionalmente perturbada para lhe fazer o marketing a custo zero, em prejuízo de si própria; (3) um aluno que tem um “fraquinho por si para angariar inscrições nos cursos; (4) uma aluna que, seduzida pelo carisma de “guru”, continua a inscrever-se nos seus cursos, fruto de insistência, mesmo sem os poder pagar a não ser em prestações, ficando “refém”; (5) entre outros casos. A mecânica costuma ser a mesma: o professor, oportunista, identifica as fragilidades do aluno e, num acto de predação, tira partido, extorque, usa e abusa.

Lembremos que o aluno também pode tentar exercer formas de violência sobre o professor, um aspecto pouquíssimo discutido que merece muita atenção. É extremamente comum, por exemplo, alunos e alunas insinuarem-se histriónica e sexualmente ao professor, principalmente em público, e não granjeando reciprocidade, descambarem em calúnia e difamação contra o mesmo.

Provavelmente devido ao “impacto visual” que acarreta, a violência física é mais discutida, vendo o seu pináculo nas práticas lesivas de āsana, apesar de também poder acontecer em exercícios de prāṇāyāma. É de domínio público que, recentemente, a percepção positiva do Yoga baixou consideravelmente nos EUA devido à proliferação de lesões ominosas (vide The Science of Yoga: The Risks and the Reward, de William Broad). Isto é o resultado óbvio de uma interpretação desviante daqueles que devem ser o papel e modo de prática das posturas físicas no Yoga.  

Assumindo o risco de simplificar em demasia a análise, o origem das lesões na prática de āsana terá a ver com o facto de usualmente se tentar adaptar o corpo a determinadas posturas, em detrimento da atitude oposta, desrespeitando a sua unicidade. São frequentes os casos de professores que lesionam alunos, ou levam-nos a lesionar-se, ao forçar ou “impingir” uma prática completamente desajustada à sua realidade física. Pede-se bom senso, relembrando que a postura deve adaptar-se ao corpo e não o contrário. Com efeito, a aula de grupo é altamente subjectiva, porque dificilmente os alunos se compadecerão todos com o programa de prática delineada. Na verdade, a aula de grupo provavelmente deveria ser um espaço aberto, em que os professores iam orientado os alunos na sua prática individual, mesmo que dentro de uma linha comum. Também ao aluno se pede bom senso, isto é, “que pense pela própria cabeça”. Qual o nexo de forçar uma abertura pélvica completa, mesmo que a estrutura da anca não o permita? Permanecer numa invertida até ao mal-estar, confundindo perseverança com masoquismo? Fazer 108 sūryanamaskāra-s para participar num grande evento e, aproveitando, emagrecer? Não só está fora da premissa meditativa do Yoga, como acarreta graves prejuízos físicos. Dificilmente se encontrará algum proveito psicológico e soteriológico nos exemplos anteriores.

Preconceituosamente, é comum dizer-se que o estilo tal é particularmente violento. Hoje em dia, depois da moda e furor, ouvimos muito isso relativamente aos estilos fluídos derivados do Aṣṭāṅga Vinyāsa, assim como, de algumas vertentes do “Método Iyengar”. Diríamos que efectivamente certas posturas e sequências serão altamente discutíveis. Em circunstâncias normais, mereceriam uma análise científica independente, de especialistas da motricidade humana. Referimo-nos ao caso concreto de vários blocos de extensões e torções da coluna, bem como de invertidas. É difícil compreender como é que forçando a coluna a uma extensão, empurrando o tronco contra uma parede e a pélvis contra o chão, poderá ter um efeito terapêutico ou soteriológico. Em todo o caso, também há uma parte das críticas que parecem vir na sequência da profissionalização e capitalização do Yoga. A luta por nichos de mercado que envolvem, literalmente biliões de dólares e euros, levam a guerras entre escolas e professores que temos assistido. Vimos o exemplo de vídeos que foram postos a circular onde B.K.S. Iyengar tratava os alunos com uma brutalidade ensurdecedora de tão ostensiva. Daí até concluir que terá sido assim em todos os contactos que teve com alunos e que, por maioria de razão, o Método que desenvolveu é todo ele violento, pode ser uma extrapolação questionável.

Diríamos que a violência não está, necessariamente, num professor ou num estilo, exclusivamente. Obviamente, os estilos são formas vivas, logo devem ser burilados, aperfeiçoados. O mesmo para os professores. O problema principal talvez esteja em ter-se reduzido o Yoga à prática não-meditativa de posturas avulsas. O Yoga enquanto entretenimento, portanto actividade lucrativa, também fomenta uma atitude pouco crítica, promovida por quem lucra. Lembremos que se fez publicidade ao tabaco, durante décadas, sabendo os malefícios que acarreta. Porquê? Para não interferir com o lucro! O mesmo critério se aplica a muitas formas de yogāsana actuais! Questioná-las seria cortar uma fonte de rendimento de milhares e milhões de dólares-euros. Concomitantemente, o facto de constituirmos sociedades predominantemente violentas, leva a que a violência se prolifere na generalidade dos fenómenos sociais e culturais.

Em suma, talvez tenhamos que mudar as motivações basilares das nossas sociedades e culturas, no sentido da cooperação em detrimento da competição, para recuperar o melhor que o Yoga e Ciências Contemplativas, em geral, têm para nos oferecer.

 

Joel Machado

  

(Mistelas... | Foto/Créditos: Joel Machado)

 

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