(Artigo de Reflexão) guru | गुरु | mestre

Pesado, grandioso, longo, importante, árduo, intenso, violento, venerável, excelente, adorado, irresistível, inatacável, poderoso, valioso, doloroso, pai, antepassado, ancião. O sistematizador de uma nova doutrina. O Supremo Espírito, por exemplo, Śiva. Todavia, a ideia mais comummente transmitida pelo termo guru, do sânscrito, é a de mestre, mentor e professor, no particular da espiritualidade ou religião.

Tradicionalmente, o guru iniciava e instruía o discípulo, transmitindo e desenvolvendo-se assim as doutrinas e práticas do Yoga, por gerações. Algo que é concomitante à maioria das Ciências Contemplativas. A partir da globalização, com a transformação do Yoga em profissão, assumindo contornos mais de entretenimento do que de soteriologia, esse aspecto transfigurou-se. Generalizadamente há um profissional prestando um serviço de bem-estar ao cliente.

Ainda assim, há determinados desafios inerentes à relação guru-śiṣya que verteram para a relação professor-aluno. Entre as várias lições que poderíamos extrair, talvez se destaque a do exercício do poder.

Ao aluno cabe não “entregar o ouro ao bandido”. Procurar atingir através do outro aquilo que somente se alcança mediante a própria experiência, seria um erro comum no tempo dos guru-s e que se perpetuou para a era dos professores. Entregar o poder “pessoal” ao outro, em virtude do medo de assumir os riscos inerentes a qualquer caminho, culmina em estagnação ou involução, dependendo do caso. Que bom seria, ter alguém para nos levar ao colo, acarretando a responsabilidade pelas escolhas que de outro modo teríamos que tomar no escuro! A realidade pede justamente o contrário: escolher só, arcando as consequências, “boas” e “más”, desse acto crucial da existência individual. “Errando” e “acertando”, assim se aprende, assim se evolui. Este deveria ser um dos ensinamentos basilares do professor, descartando qualquer rogação de “colo”. Professor ou guru, não interessa, podem indicar um caminho, pistas, e isso já é enormíssimo. Isto é válido quando o docente é idóneo e, sobretudo, quando se trata de um falso-guru.

Ao professor caberá resistir à tentação, viciosa, de se aproveitar do poder que lhe é disponibilizado. Gerir a influência sobre o aluno, lidando com a sua fragilidade, é um dos desafios mais prementes para quem ensina Yoga, como é revelado pelos incontáveis relatos de abusos de toda a índole: económica, psicológica, física, sexual, entre outras. O guru não é mais que um eterno aluno, lidando com os mesmos e outros desafios, devendo partir dessa premissa.

Talvez a maior falácia relativamente à autoridade no Yoga seja circunscrevê-la a uma figura, personificando-a num modelo estanque. Vivendo a vida (e quem sabe a morte), parece crível que tudo e todos sejam guru-s, em todos os instantes. A família, amigos, inimigos, bichos e plantas, chuva e sol, portanto: seres, meio-ambiente, situações e contingências. Ou seja, os mestres estão em todo o lado sob todas as formas e, frequentemente, não os conseguimos enxergar ao procurá-los numa entidade. Querer um guru, quando se tem a narrativa constante da vida como mestra, pode ser apenas mais um dos artifícios que o ego lança para manter viva a fogueira da soberba.

Por junto, o guru és tu. Nem de propósito, em português, consegue-se a rima feliz. O verdadeiro professor está em nós porque é através de nós que vivemos e morremos. Possivelmente uma das prerrogativas do Yoga que mais negligenciamos. Pelo que, não reconhecendo isso, acabamos não praticando Yoga, antes, emulando yoga.
 
 

Joel Machado

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