(Artigo de Opinião) Yoga: Psicologia ou Soteriologia?

Podemos definir o Yoga como uma Ciência Contemplativa. Portanto, um corpo formal de pressupostos teóricos e práticas circunscritas que visam um objectivo soteriológico. Surge a questão: em que consiste uma soteriologia? Ora, a palavra compõe-se de duas raízes gregas: soterios (σωτήριος), "salvação", e logos (λόγος), "palavra" ou "princípio". Soteriologia define assim o estudo da salvação ou libertação humana. Cada Ciência Contemplativa, bem como as Religiões, propõem um esquema particular para se atingir a dita salvação. Normalmente, algumas privilegiam o relacionamento “fusional” do Ser Humano com Deus, num pendor místico, outras investem no refinamento do conhecimento humano como veículo de salvação, num pendor mais gnosiológico. De um modo ou de outro, o objectivo bem como o itinerário a percorrer rumo ao mesmo são atinentes a um tronco-comum. Outro aspecto transversal é que antes de se assumir por inteiro a agenda soteriológica, na maioria dos casos, assume-se preliminar ou preparatoriamente uma agenda terapêutica. Por essa razão se tem especulado até que ponto o Yoga não constituirá também uma psicologia.

Ora, a discussão ao redor do enquadramento do Yoga como uma psicologia, uma soteriologia ou ambos, é justamente um dos temas do livro Yoga, Da Psicologia à Soteriologia, O Tronco-comum de uma Ciência Contemplativa. Nesse trabalho admite-se que o Yoga poderá ter dois enquadramentos: um inicial, com uma tonalidade terapêutica; outro posterior, essencialmente soteriológico.

Erigindo-se a partir de três dimensões fundadoras, iniciática, teórica e prática, numa fase inicial o Yoga teria uma finalidade terapêutica, à semelhança de uma psicologia. Isto teria a ver com o facto da dimensão teórica do Yoga poder ser microscópica ou individual. Nesse particular, os desequilíbrios “individuais” do sujeito são configurados dento dos esquemas teóricos próprios das Tradições do Yoga em geral e subsequentemente abordados mediante meios e práticas específicas: passar de uma dieta inconsciente para outra consciente; burilar a personalidade com base na Ética e Disciplina pessoal, no sentido de mitigar a preponderância psíquica do ego; operar uma purificação pisco-física através de técnicas concretas; adquirir preparação física e cardiovascular; corrigir desequilíbrios de prāṇa ou energia-vital, através da modulação da respiração; entre outros aspectos.

Numa segunda fase, o Yoga será uma soteriologia, ou seja, visa a transição de uma condição humana, por assim dizer, para outra supra-humana. Tal terá o seu enquadramento na dimensão teórica macroscópica ou universal do Yoga. Esta assume, em geral de acordo com uma metafísica definida, que o yogin vive na ilusão de “ser” um corpo individual quando, ultimamente, “É” (ou faz parte de) um Corpo Universal, indiviso. Numa perspectiva teleológica, este Corpo Unificado poderá ser equiparado à ideia de Deus. Haverá portanto um equívoco existencial, que deve ser solucionado. A não resolução desse equívoco é a responsável pela perpetuação dos problemas mundanos e existenciais da pessoa. Apesar das metafísicas variarem, há uma leitura genérica praticamente transversal deste problema de base: (1) o sujeito vive num estado de Ilusão Existencial (māyā); (2) isso gera sofrimento (duḥkha); (3) por sua vez, esse é retroalimentado pela causação (karma) derivada do estado fundamental de ignorância em que vive o sujeito; o corolário é a perpetuação do ciclo morte-renascimento (punarjanma e saṃsāra). Tal como na primeira fase, também nesta há uma componente técnica fornecida pelo Yoga como veículo de resolução do problema. A par das outras anteriormente mencionadas, lança-se mão de um estudo aprofundado da estrutura da mente que visa conhecê-la ao ponto de, por via meditativa, “escapar” do seu condicionamento de base: a identificação continua com o ego, para assumir uma “identidade” Universal, em rigor, uma não-identidade.

Em suma, quando assume um fim terapêutico, o Yoga pode de algum modo ser comparado a uma psicologia. Com as devidas ressalvas, teria alguns pontos de intersecção com vertentes como a Psicanálise de Freud, a Psicologia Analítica de Jung ou a Psicologia Transpessoal. Porém, não poderia ser igualado à Psicologia, Ciência Humana, principalmente por ter uma relação diferente com a objectividade-subjectvidade da experiência e não usar a metodologia científica.

Apesar do sentido e valor prático que possa ter esta ideia do Yoga contemplar dois momentos, um anterior ou terapêutico e outro posterior ou soteriológico, em essência ambos se misturam. Mormente, não é fácil dissociar o Yoga em que circunstância for da sua natureza soteriológica. Quintessencialmente, dir-se-ia, o Yoga será sempre uma soteriologia porque é esse o seu propósito.

 

Joel Machado

 

(Cakra-s do Corpo Subtil segundo uma "psicologia" do Yoga | Fonte: British Library)


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