(Artigo de Reflexão) cakra | चक्र | roda

Cakra, literalmente “roda” ou “ciclo”, em sânscrito, é um dos termos que epitomizam o Yoga Moderno. Actualmente, o significado comum de cakra aponta para um locus psicoenergético enquadrado na “anatomia” do corpo yoguico. Em função disso, é um conceito que se entende na sua relação com as definições de nāḍī, canais ou rotas de circulação, e prāṇavayu, energia vital circulante. Se admitirmos que o corpo físico continua além do que é apreensível pelos cinco sentidos grosseiros, numa espécie de “matéria” ou “espectro” progressivamente subtil, então, os cakra-s são pontos nessa instância responsáveis pela metabolização de energia vital. Daqui derivará uma imagem usual dos cakra-s como sendo vórtices que sorvem e expelem prāṇavayu-s ou energia, em alinhamento com a respiração. O contemplativo através de técnicas específicas (mecânicas, pneumáticas e meditativas), pode influenciar a modulação dos cakra-s, modificando o estado de consciência.

Criou-se a ideia generalizada de que existem sete cakra-s principais ou “canónicos” e que estão hierarquicamente dispostos ao longo da coluna vertebral em associação a determinadas glândulas endócrinas, cores, mantra-s e toda uma panóplia de atributos. Da base da coluna ao topo da cabeça temos então: mūlādhāra ou “raiz”, svādhiṣṭhāna ou “assento do ser”, maṇipūra ou “cidade da jóia”, anāhata ou “indestrutível”, viśuddha ou “puríssimo”, ājñā ou “comando”, e sahasrāra ou “mil pétalas”.

Tal como para a prática de āsana, também no que respeita aos cakra-s, há uma série de reinterpretações e invenções que se disseminaram, principalmente a partir do encontro do Yoga com a Cultura e Pensamento Ocidentais. Exemplos claros disso são: a tradução do Ṣaṭcakranirūpaṇa (“Análise sobre os Seis Cakra-s”) por John Woodrofe (de onde deriva o sistema popular de seis cakra-s); C. W. Leadbeater com o livro The Chakras (de onde derivam um série de sincretismos, como a atribuição de novas cores a cakra-s); a menção de Mircea Eliade em Yoga, Immortality and Freedom, por exemplo a H. Walter (de onde deriva a associação de cakra-s a plexos anatómicos); e C. G. Jung e o seu ciclo de palestras sobre cakra-s e kuṇḍalinī (de onde deriva a atribuição de aspectos psicológicos aos cakra-s).

Com efeito, as ideias anteriormente mencionadas são de algum modo contrariadas pela Tradição Textual do Yoga. Apesar de alguns autores, como Feuerstein (Tantra. The Path to Ecstasy), por exemplo, alegarem que textos védicos já falavam de cakra-s, olhando para essa literatura a alegação parece mais especulativa que factual. Observando a evolução da tradição textual no Yoga parece claro que o conceito de cakra “só” ganha importância a partir do Tantra-Haṭha e sobretudo com o advento do New Age. Parece também que o conceito inicial de cakra não remetia para uma estrutura diferenciada, um atributo real e intrínseco do corpo yoguico, antes para um foco de meditação. Vários textos referem-se a cakra-s ou sinónimos (granthi-s e ādhāra-s), como pontos-focais onde devemos concentrar a nossa atenção. Os próprios sistemas de cakra-s foram variando enormemente pelo que, ao longo dos séculos as literaturas Tântricas e do Haṭha apontam diferentes sistemas de 4, 6, 7 e 9 cakra-s, que variam quanto à importância relativa. O Yoga Budista, sobretudo o Tibetano, apresenta também consideráveis variações nos sistemas de cakra-s que propõe.

Pode alegar-se, oportunamente, que a Tradição Textual é limitada em comparação à Transmissão Iniciática, ocultando ensinamentos essenciais do Yoga. Contudo, também é importante manter reserva quanto à aceitação acrítica de qualquer informação e, ao invés, procurar várias fontes. Em suma, se os cakra-s são um mero referencial meditativo, uma descoberta “real” da investigação contemplativa ou um misto dos dois é algo que deverá ser configurado com parcimónia e sensatez.

 

Joel Machado


 

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