(Artigo de Opinião) Da Saturnália ao Natal, uma antiga Celebração ao Sol

A 25 de Dezembro celebra-se o Natal, um pouco por todo o globo, assinalando-se o nascimento de Jesus de Nazaré, mais tarde entronado O Cristo. Porém, como, onde e quando terá surgido esta tradição?

A Natividade de Jesus é relatada nos Evangelhos de Lucas e Mateus. Aponta-se o local, Belém. Descreve-se o fenómeno da estrela que terá guiado os Reis Magos até à manjedoura onde ocorreu o nascimento. Conta-se o massacre perpetrado pelo Rei Herodes, que mandou executar todos os nados, em resposta às profecias que davam conta do nascimento do seu sucessor, messiânico Rei dos Judeus. Narra-se a consequente fuga da Sagrada Família para o Egipto. Contudo, não se apontam datas específicas, o que levou a uma especulação entre os primeiros escritores do Cristianismo, ao redor do tema. Tendo-se indicando várias hipóteses, talvez um aspecto fosse denominador comum: a associação de Jesus Cristo ao Sol, consubstanciada inclusive por passagens bíblicas.

Esse simbolismo solar terá levado à proposta de datas concomitantes para a encarnação, concepção e nascimento de Jesus Cristo. Com efeito, encontram-se menções aos vigésimos quintos dias de Março e Dezembro, equinócio e solstício, respectivamente. Encontramos referências ao 25 de Março como momento da concepção, encarnação ou anunciação e o 25 de Dezembro (nove meses depois, note-se), como data de nascimento. Se por um lado este período de nove meses, equivalente a uma gestação é relevante, também o é a data de solístico, na medida em que assinala o início do crescimento dos dias, o “reerguer” do Sol.

Seja como for, foi o 25 de Dezembro que se instituiu. O primeiro registo da celebração do Natal nessa data ocorre em Roma no ano 336 d. C., sendo relevante referir dois aspectos: não só o Solístico de Inverno era tradicionalmente festejado nesse mesmo dia, como coincidia com a Saturnalia ou o que restava dela. A Saturnalia foi um antigo festival romano consagrado a Saturno, celebrado no mesmo período em que hoje se celebra o Natal. Terá derivado da celebração grega Kronia. Existe igualmente associação a tradições pagãs, tal como é referenciado na Mishná e no Talmud, do judaísmo, quando descrevem um festival pagão denominado Saturnura e ocorrendo durante os oito dias que precedem o Solstício de Inverno. A Saturnalia dos romanos era um conjunto de festividades, pela ocasião do solstício invernal, de índole carnavalesca: jogo, banquetes, folia e troca de presentes; inversão de papéis onde os senhores serviam seus escravos e se permitia o que normalmente seria tido como subversivo e contra as regras morais e sociais vigentes. Fala-se também da Saturnalia como um festival de luz, onde um grande número de velas seria acendido, simbolizando a renovação da luz inerente ao solstício e à passagem de ano. Por ser extremamente popular, aquando da conversão do Império Romano ao Cristianismo, a Saturnalia foi mestiçada às celebrações de Natal e Ano Novo, por volta do terceiro e quarto séculos d. C.

Esta remota índole carnavalesca do Natal terá persistido por séculos, durante os quais a celebração foi tendo períodos de maior e menor popularidade. A Reforma Protestante, em Inglaterra, terá contribuído para acabar com esta tonalidade. É precisamente nos países anglo-saxónicos que ocorre uma espécie de revivalismo natalício, fundamentalmente através da literatura. Exemplos disso são as obras de Washington Irving e Charles Dickens. Surge então uma ideia de Natal, que se alastrou além do espaço anglo-saxónico, associada: a uma consciência de paz; a valores familiares; à criança; à troca-de-presentes; à compaixão e bom coração; e, ulteriormente, à figura do Pai Natal.

Em suma, a ligação de Jesus Cristo ao Sol (concretamente ao Equinócio Primaveril e ao Solstício Invernal), bem como a apropriação de festivais e tradições existentes, parecem ter estado na origem do Natal. Actualmente, com a massificação do Neoliberalismo que, em virtude da apologia do consumismo desenfreado tende a destruir tudo aquilo em que toca, as festividades natalícias parecem ocorrer dissociadas de qualquer um dos seus espíritos “originais”, como uma orgia de desperdício, senão pior, num pântano de hipocrisia. Com efeito, é frequente encontrarmos nas novas gerações quem nem sequer conheça a natividade e simplesmente associe a data a um momento em que vai receber presentes e comer à discrição.

Num momento em que se diz que uma massa crítica de consciências questiona o mundo insípido em que vivemos, ficam as questões, entre tantas possíveis: seria mais congruente e promissor, valendo isso o que vale, revisitar esta celebração de maneira a torná-la comungada com a Natureza, planetária e cósmica? Em alinhamento com o Solstício de Inverno e seu profundo significado, porque não lançar sementes em vez de cortar árvores para as decorar e, meros dias após, as deitar fora?

Talvez esta fosse a época ideal para se assinalar tempo e espaço de recolhimento e reflexão. Eventualmente, para se fazer votos, de maneira a preparar a acção efectiva, no sentido de nos aprimoramos individualmente, pela tomada de consciência e que somos o Todo. Acima de tudo, passar da simbologia fátua ou assente em contra-senso e, efectivamente ,concretizar o espírito natalício de partilha e promessa de abundância, para e por todos, sem excepção.

 

Joel Machado

 

 

(Solstício de Inverno | Foto/Créditos: Joel Machado)

 

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