Yama, do sânscrito, representa a Ética. O Yogasūtra-s de Patañjali propõe uma das leituras mais populares sobre Ética, apesar do tema ser uma constante ao longo da Tradição e Literatura do Yoga, pois representa um pilar fundacional de qualquer prática contemplativa. Por isso, não deixa de ser impressionante que tenha sido confinado a segundo plano, ou até desaparecido, em inúmeros “cardápios” do yoga contemporâneo.
Yama consubstancia-se em regras de conduta externa, atitudes irrepreensíveis perante o outro repercutindo-se no próprio. Porquê? A Ética assentará em racionalidade e não moralidade. Moralmente, condenamos ou aprovamos. Racionalmente, concluímos se determinado comportamento tem maior ou menor valor adaptativo, pessoal e colectivo. A um nível pessoal, o exemplo do mentiroso é paradigmático. Mesmo que mentir no imediato pareça trazer vantagens palpáveis, a médio-longo prazo será sempre mais danoso do que dizer a verdade, porque obriga o mentiroso a manter um constante estado de alerta, desgastante, de modo a não ser desmascarado. A um nível colectivo, respeitar e ajudar o próximo terá vantagens incontestáveis relativamente à atitude oposta. O que é mais vantajosa, a competição ou a cooperação? Mesmo que sejamos doutrinados a crer que competir é um motor de evolução social, a decrepitude do actual estado em que se encontra Humanidade e meio-ambiente, em geral, mostram o contrário. Manter uns acima e outras baixo, com tão gritantes desníveis, será o gérmen da discórdia. Ou seja, se cooperássemos fomentaríamos comportamentos construtivos em detrimento da senda destrutiva em que encalhámos. Isto será principalmente caro no contexto do Yoga, onde se crê que há uma lógica de acção-reacção, colhemos aquilo que semeamos. Então, manter uma postura de correcção perante o outro, no final, beneficia o próprio, criando dimensões pessoais e colectivas mais saudável.
Patañjali expõe cinco yama-s ou preceitos éticos. Ahiṃsā ou pacifismo é não-agressão, física, verbal, mental, seja de que forma for, constituindo a base dos restantes preceitos. Tendemos a pensar na violência como algo palpável, mas lembremos as formas de violência agressiva-passivas, como o cinismo, a hipocrisia e seus brutais efeitos. “Ser impecável com a palavra”, como aponta Don Miguel Ruiz, em Os Quatro Acordos, é um bom exemplo de satya. Esta é a veracidade no discurso, falar numa tónica leal em relação ao que se sente, não criar ou alimentar intrigas, é fundamental ao bem-estar individual e grupal. Asteya ou honestidade é a atitude de não-roubar, o que é meu é meu, o que é do outro é do outro, porque em última analise tudo é de todos e nada é de ninguém. Brahmacarya tem a ver com continência, viver a vida com conta, peso e medida. Tradicionalmente, frisa-se a continência sexual, mas essa deve alargar-se a todas as áreas da vida: alimentação, emoções, consumo, etc., até a prática e o estudo. Tudo vale na porção sóbria, tal como diz o termo farmakon, do grego, que pode ser remédio ou veneno consoante concentração e dosagem. Por último, aparigraha, desprendimento, é renunciar à posse e não-cobiçar aquilo que não temos ou que é dos outros. As coisas que possuímos ou queremos possuir, inevitavelmente acabam por nos possuir.
A prática da Ética dimana da atitude meditativa, isto é, nutrindo um contínuo estado de vigilância sobre os pensamentos. Se forem negativos, identificá-los e impedir que se transformem em acções, cultivando o tipo oposto de pensamentos. Também não deverá assentar numa interpretação linear. Como transmitir a notícia da morte de um ente a uma pessoa debilitada de saúde!? Podemos ter que mentir, antes de veicular a informação toda, a bem da não-violência! E o que dizer de "roubar" a quem tem em excesso, e não partilha, para prover aos desvalidos? Esta não linearidade estará na base dos famosos dilemas éticos. Ninguém disse que, na via da contemplação, a Sabedoria é fácil de conquistar. Aqui entra a tentativa-erro, experimentar, assumir a consecução do comportamento e tentar ter a lucidez para detectar as consequências dessas acções.
Joel Machado
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