(Artigo de Reflexão) pneûma | πνεῦμα | alento

Do grego clássico, pneûma define “respiração” ou “alento” e, em geral, quando infundido de significado religioso ou soteriológico, “espirito” ou “alma”.

Os Estóicos tinham pneûma como “alento vital”, uma amálgama dos elementos ar e fogo, movimento e calor. Física e metafisicamente, seria o princípio genesíaco do qual manava e se estruturava toda a organização individual e universal. Portanto, uma força que estruturaria a matéria, toda, de entes vivos a objectos inanimados. Pneuma constituiria assim a alma humana (psychê) que seria uma fracção ou centelha da alma de Zeus. Vemos aqui semelhanças com o conceito hindu de prāṇa, também definido primeiramente como “alento” ou “respiração vital” e ulteriormente como energia subtil ou força animadora cósmica. Aspecto que se repercute na distinção entre prāṇavāyu-s ou ventos-vitais que circulam no corpo fisiológico-subtil da pessoa e o prāṇa universal, subjacente aos mesmos e a tudo o que há de animado e inanimado. Remontando à medicina grega da Antiguidade, pneuma seria um tipo de “ar” ou “vento” de cuja circulação dependia o funcionamento dos órgãos e sistemas vitais, ideia redolente do vata no Āyurveda, medicina tradicional indiana. Pneûma constituiria o sustentáculo “material” que “agarrava” a alma ao corpo, aspecto que também relembra a análise vedântica, segundo a qual a coesão do corpo físico (sthūlaśarīra) depende da ligação entre corpo-causal (kāraṇaśarīra) e corpo mental-subtil-respiratório (sūkṣmaśarīra), por exemplo encontrada no Tattvabodha, atribuído a Śaṅkara.

A verdade é que esta noção inerente a pneuma ocorre em quase todas as Culturas e Tradições Espirituais, teorizando-se a respiração subtil e física como base omnipresnete e promovendo técnicas para agir sobre essa “realidade” (metafísica), com fins terapêuticos e soteriológicos: anima, do Latim; o rūḥ Islâmico e Sufi; o ruah Hebreu; o qi chinês; entre outros. Todos estes conceitos enquadram tanto na ideia Hindu de Prāṇa como na Judaico-cristã de Espírito Santo (ruah). Relembremos, a esse propósito, os desenvolvimentos iniciais do Velho Testamento, em Génesis 2:7: E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. O próprio Corão, apesar de não descrever rūḥ como um princípio individual (ao contrário do Sufismo) em alguns contextos refere que anima a matéria não-animada.

Tudo isto, diríamos, redunda numa asserção consensual: a importância inequívoca da respiração. A prática contemplativa, do ponto de vista técnico, tem essencialmente a ver com uma reformulação da relação do praticante com a sua respiração individual e, em última análise, a Respiração Universal. Alargar a consciência e espectro do acto primordial de respirar individualmente, na medida em que isso tem uma relação directa com o funcionamento do aparelho psíquico, é a base transversal da componente técnica inerente às práticas espirituais. Pretende-se trabalhar uma forma de transcendência sobre a respiração pessoal, atendendo à modulação que mantém com a produção perceptiva, mental e emocional para, ulteriormente, aprender a respirar com o Todo. Isto sustenta-se na crença (ou resultado da experiência contemplativa) de que o Cosmos é um Pulsar Ilimitado, reverberando incontáveis pulsares menores. É como se tudo (interiormente e) ao nosso redor fosse a súmula de pequenos focos de pulsação: a pessoa, o cão, o gato, a árvore, a pedra! Todas as formas, vivas ou não vivas, corresponderão a um determinado estado de pulsação. A prática meditativa, isenta de teorias, narrativas e conceptualizações, implica (re)aprender a viver nesse Oceano Respiratório. O objectivo ou experiência final (porque não tem que ser um objectivo, necessariamente) será o de passar para um estado de sintonia com a Respiração Universal, o que provavelmente acarreta ou vem da "morte" do ego.

Posto isto, respiremos, abnegada e conscientemente, até ao reencontro com a Respiração.


Joel Machado


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