(Marcela Manso) Yoga, Consciência e Ética

Desde tempos imemoriais a dúvida sobre o propósito da existência e a busca por algo mais está presente na mente humana. Vários tentaram responder a estas questões, várias técnicas foram desenvolvidas para aliviar o sofrimento humano, algumas delas podem ser consideradas radicais e até inapropriadas para a sobrevivência a longo prazo.

Nas várias tradições espirituais encontramos pontos em comum, com outros nomes, mas no fundo com o mesmo objectivo: viver bem em primeiro lugar consigo mesmo, em segundo com o outro ou com a sociedade em que se insere, e somente depois de se compreender a pertença a um todo, a um ecossistema indivisível e interdependente, é que se pode atingir a libertação, mokṣa, céu, nirvāṇa, entre outros nomes, consoante as tradições.

Actualmente vivemos numa sociedade que dá primazia ao ego. No sistema capitalista no qual estamos inseridos, facilmente caímos na ilusão de que o consumo nos vai aliviar das aflições que nos assolam a mente ou o coração. A própria publicidade é baseada nesta ideia falsa de felicidade pelo consumo, em que se “trabalha” os desejos das pessoas de uma forma ilusória, dando a entender que o consumo do produto ou da experiência “x” nos vão preencher o vazio que nos oprime. Enchemos as casas de bens materiais e como isso não nos traz qualquer alívio, ligamo-nos a redes sociais, em que a sociabilização de facto termina por ser precária e ilusória na maior parte das vezes, como não chega, ainda conseguimos encher a cabeça de barulho, tudo para não escutar as penas que nos afligem. Não há uma confrontação com a morte e a doença como sendo parte inerente da vida. Na própria prática de yogāsana moderno “vende-se” a ilusão da eterna juventude, há inclusive um culto do corpo e um desprezo pela velhice e decadência do corpo, natural na vida humana, assim como se “vende” a eterna saúde através desta prática. Na realidade, apesar desta prática ter os seus benefícios, muitos dos āsana-s praticados não têm qualquer sentido nem nenhum benefício cientificamente comprovado (ou sequer empiricamente), e sequer se baseiam em qualquer tradição ancestral. A longo prazo é frequente aparecerem lesões consequentes das práticas mais absurdas de yogāsana. E é frequente as pessoas associarem o yoga a este manancial de loucura, achando que a partir de certa idade não o podem praticar. Ora o yogāsana é uma parte ínfima da prática de yoga. Sem a atenção à respiração, não há yoga, sem a atenção aos pensamentos e aos actos também não. A parte mais importante da prática de yoga é a ética. A auto-observação diária constante é o que nos leva realmente ao estado de yoga. Observar pensamentos e acções é essencial, tentando os compreender e até onde está o ego a deturpar a realidade, colocando-nos numa atitude de sobrevivência, em que o “eu” é a única coisa que importa, sendo assim justificável atropelar tudo e todos para atingir um porto seguro ilusório, que apenas nos traz mais aflição e desconfiança, entrando-se na paranóia de que estamos a ser vítimas de alguma sabotagem de um inimigo inexistente, sempre negando a nossa responsabilização pelos erros e falhas cometidos, tal como crianças imaturas de 5 anos. Admitir os erros e assumir a responsabilização dos próprios actos e suas consequências é o que nos leva da infância à maturidade. Sem esta maturidade também não é possível atingir um estado de yoga.

Apesar de vários textos falarem que a prática de yoga leva à imortalidade, enquanto não se domina a parte da ética, a prática de yoga nos ajuda a aceitar a nossa morte e decadência como sendo parte da vida. O yoga em todos os seus domínios não nos leva apenas à saúde, mas leva-nos a aceitar a doença e a vivê-la em desapego, o que é mais importante do que o que muitos instrutores de yoga tentam impingir da saúde e juventude eterna, até porque a parte mental é mais importante que a física. Sabe-se que se um sujeito imaginar que está fazendo um determinado exercício físico pode obter resultados próximos de alguém que está de facto a fazê-lo. Assim consideramos que o incentivo ao silêncio e à prática de meditação deveria ser uma prioridade no ensino de yoga e não o oposto, como acontece em alguns casos. É natural que num mundo capitalista, em que o yoga é uma indústria que move milhões, falar de filosofia e ética não seja algo atraente, mas sem isso continuaremos a viver num mundo em que os kleśa (aflições mentais), as aflições da vida, nos fazem permanecer neste ciclo de sofrimento, afastando-nos do nosso potencial sādhana (prática espiritual), ou deixando-nos desviar deste sādhana pelos vários antarāya (obstáculos à prática espiritual) em que tropeçamos.

Em conclusão, viver em consciência e desapegando-nos das ideias que temos de nós e do todo, quebrando os padrões familiares e mentais, é a forma de atingirmos algo mais que esta vida de sofrimento e morte.

 

Marcela Manso

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(vīrasiddhāsana , Joel Machado)

 

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