(Artigo de Reflexão) antaḥkaraṇa | अन्तःकरण | aparelho psíquico

Do Sânscrito, antaḥkaraṇa, o “Órgão ou Instrumento Interno”, dentro do Yoga Hindu, corresponde a um modelo do Aparelho Psíquico Humano. Quando achamos que vivemos um período altamente avançado na história da Humanidade, não deixa de ser espantoso verificar que, há milénios atrás, houve uma representação formal do aparelho psíquico, de algum modo baseada no conhecimento empírico e que ainda a hoje merece atenção. No geral, existem duas leituras dominantes do mesmo modelo: a que é apresentada no contexto do Yoga Clássico de Patañjali; e outra associada ao Vedānta e Śaṅkara, a que aqui seguiremos.

Admite-se que o Aparelho Psíquico é constituído por uma série de Instâncias Psicológicas, associadas a determinadas funções. Dessas funções, as principais e de certo modo “mais redutíveis” ao sujeito (porque este modelo tem um enfoque transpessoal e ulteriormente cósmico) são: manas, a cognição e percepção sensorial; citta, o repositório; ahaṅkāra, o ego; e buddhi, o intelecto discriminador. As quatro funções operam em interacção sendo responsáveis pela vida psicológica do sujeito.

Manas, corresponde à cognição e/ou percepção sensorial, sendo constituída pelos cinco sentidos e mais cinco órgãos de acção. O que manas faz é apreender o mundo, é a superfície sensitiva primária que recebe os estímulos externos. Citta, é o arquivo de memórias e traços psicológicos, com maior ou menor grau de latência. Portanto, enquanto armazém guarda material essencialmente inconsciente, saṃskāra-s ou as predisposições psíquicas, e vāsanā-s, o modo essas se conglomeram. Em menor grau, à imagem do icebergue freudiano, opera também com materiais conscientes. A personalidade do sujeito resulta, grandemente, do modo como estes traços se organizam e relacionam entre si, formando complexos, na terminologia de C. G. Jung. Ahaṃkāra, corresponde ao auto-conceito ou ego. A imagem que o sujeito tem de si próprio, a percepção de separação relativamente ao seu entorno, é um produto desta instância. A noção de corpo e a experiência emocional, são um subproduro ou fortemente influencias por ahaṃkāra. Buddhi, corresponde à cognição mental e atencional per se, uma espécie de instrumento ou sentido mental que capta e discrimina neutralmente, sem associação à personalidade ou narrativas egóicas. Por esta razão, buddhi é frequentemente denominado o discriminador.

A interacção destas funções psicológicas, naturalmente, pode acontecer em maior ou menor grau de disfunção existencial. Fundamentalmente, o problema de base tem a ver com o facto dos recursos se cingirem em torno de ahaṃkāra, o que faz com que o sujeito, identificando-se única e exclusivamente com o seu auto-conceito, psicologicamente funcione como um Narciso, impelido pelas sensações recolhidas por manas e pelos elementos inconscientes armazenados em citta. A solução para quebrar com este dilema, passa por uma reconfiguração cognitiva, assente na educação da atenção. Ou seja, mudar o locus do funcionamento psicológico para buddhi, a função atencional. Porquê? Esta simplesmente discrimina os estímulos recebidos, sem os julgar ou enquadrar no esquema condicionado de citta. É assim que a posteriori o ciclo de karma ou acção-reacção, punarjanma ou renascimentos e saṃsāra ou ciclo de existências é interrompido.

A relação fundamental entre Consciente e Inconsciente depende, grandemente do ego. Quanto mais rígida for a estrutura de ego, ou seja, quanto mais identificados estiverem os processos mentais e sensoriais com os conteúdos de citta e a narrativa de ahaṃkāra, mais ao sabor do inconsciente funcionará o sujeito, retroalimentando o karma que perpetua o saṃsāra. A qualidade do diálogo entre Consciente e Inconsciente, logo, do funcionamento mental e emocional, depende da qualidade da respiração física, por ter uma contraparte subtil que interage directamente com o modo como opera o Aparelho Psíquico global.


Joel Machado



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