(Artigo de Reflexão) metempsychōsis | μετεμψύχωσις | metempsicose

Metempsicose, do grego metempsychōsis, refere-se à transmigração do espírito, concretamente ao processo de reencarnação depois da morte. Sem certezas mínimas quanto à sua origem na região do Mediterrâneo, sabe-se que estaria presente nos Cultos a Orfeu da Grécia Antiga. A ideia foi suscitando interesse e reflexão, entrando na discussão filosófica pela palavra de Ferécides de Siro e seu discípulo Pitágoras. Todavia, o peso considerável que ganha vem através de Platão em várias obras suas, como República, Fedro e Fédon. Resta saber se a inclusão desta ideia na sua obra aconteceu com intuito literal ou alegórico, como muitos têm questionado.

Tendo em conta que a ideia foi sendo retomada, posteriormente, por outros místicos e pensadores ocidentais (Arthur Schopenhauer e Kurt Gödel, por exemplo), pretendemos relembrar que, ao contrário do que usualmente se assume, a ideia de reencarnação não é uma “patente” oriental (Hinduísmo, Jainismo, Budismo, Sikhismo). Segundo registos Romanos, os Druidas Celtas afirmavam a reencarnação, crendo-se que o Paganismo Germânico também nutria semelhante ideia. Na kabbalah Judaica, gilgul é o conceito que enforma a ideia de reincarnação, semelhante ao de saṃsāra, com a diferença que sustenta que humanos apenas reencarnam em humanos, a menos que Deus escolha em sentido diferente. Os Alawīyah-s uma seita muçulmana, classificada como ghulāt ou “extremista” pela ortodoxia, sustenta uma narrativa interessante: seriam inicialmente criaturas de luz que foram expulsas do domínio celestial e, por conseguinte, condenadas a reencarnar até recuperar a pureza necessária ao reingresso no Paraíso. Inevitavelmente, lembra a tese judaico-cristã (apócrifa) dos anjos caídos.

Indo mais longe, a própria noção de reencarnação oriental, originalmente, não corresponderia aquilo em que se veio a tornar: a transmigração de uma entidade ou agregado de consciência individual de um corpo corrupto para um corpo novo. De facto o que se assumia, e é ainda hoje amplamente assumido no Budismo, é que há uma transição de consciência não individualizada, portanto despersonalizada. Ou seja, não há a transmigração de uma identidade perfeitamente definida, apenas um agregado de consciência.

Também é comum, apontar-se a existência de investigações científicas conclusivas ou pelo menos sustentadas, no campo da reencarnação, o que não é de todo verdade. Os estudos mais célebres foram desenvolvidos por Ian Stevenson, um psiquiatra da University of Virginia, e se por alguns foram bem recebidos, com as devidas ressalvas, por outros nem tanto. A verdade é que estamos diante de algo que, a existir, será extremamente difícil de comprovar, devido a elevada dose de subjectividade que acarreta.

Genericamente, a ideia de reencarnação ou metempsychōsis, à revelia da tradição cultural e espiritual que a possa enroupar, sustenta o seguinte: mediante um evento ou estado de queda, original ou adquirido, gera-se um processo cíclico em que a alma vive a condenação de perambular de corpo em corpo, “gozando” de um “imortalidade” de certo modo ingrata. Ingrata na medida em que deriva de um estado de punição ou de ignorância. De punição se a queda no ciclo de deve à expulsão de um domínio superior àquele em que se passa a perambular. De ignorância se o que alimenta o ciclo for o mero desconhecimento que a alma revela, em relação aos mecanismos que a mantém presa à repetitiva vivência da experiência mundana. Numa versão ou noutra, há sempre a recompensa à vista, ou seja, a possibilidade da alma se libertar desse grilhão cíclico, seja pela expiação ou pelo entendimento. Mas querer sair de um ciclo que se considera “mau” na sua natureza agridoce, para um não-ciclo identificado com a ausência de mal-estar ou equiparado ao estado de deidade, mesmo que despersonalizada, não será em si um delírio do ego?


Joel Machado

 


 

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