Haṭha: Controlo e Expansão da Respiração (Prāṇāyāma)

Das origens do prāṇāyāma à sua prática no Haṭha

Segundo James Mallinson e Mark Singleton (1), bem como outros autores célebres (2), a prática de prāṇāyāma tem sido central ao Yoga desde as primeiras descrições conhecidas de técnicas de soteriológicas: Conhecem-se técnicas de respiração extática associadas a práticas xamânicas ancestrais; Buda terá práticado longas retenções da respiração, com fins ascético; no No Atharva Veda, Jaiminīya Upaniṣad Brāhmana, apresenta-se uma tipologia de sete prāṇa-s, percursora do posterior conceito de prāṇa-vayu, bem como a utilização do Gāyatri Mantra associado à sequenciação e longas expirações; no Mokṣadhrama do Mahābhārata, o prāṇāyāma é tido como um dos dois tipos de dhyāna (“meditação”); o controlo e expansão da respiração é um dos oito auxiliares proposto por Patañjali; a maioria dos sistemas de seis auxiliares que ocorrem no Tantra, incluem igualmente prāṇāyāma; a heterodoxia Jaina, fomenta igualmente a prática da respiração controlada para fins meditativos. Portanto, o Haṭha, em todas as suas formas pré-Clássica, Clássica e pós-Clássica, sendo essencialmente uma linha de continuidade, com os seus atributos, obviamente, mantém esta tendência de valorizar o prāṇāyāma, apresentando-o nas mais variadas formas.

Prāṇāyāma no Haṭhapradīpikā

O prāṇāyāma tem um importante papel no Haṭhapradīpikā, sendo apresentado no contexto da relação entre mente, respiração e energia vital.

A primeira prática apresentada é o Nāḍī Śodhana, que surge como uma técnica de respiração alternada pelas narinas, com períodos de retenção,

10- प्राणं चेदिडया पिबेन्नियमितं भूयोऽन्यथा रेचयेत् पीत्वा पिङ्गलया समीरणमथो बद्ध्वा त्यजेद्वामया। सूर्यचन्द्रमसोरनेन विधिनाभ्यासं सदा तन्वतां शुद्धा नाडिगणा भवन्ति यमिनां मासत्रयादूर्ध्वतः ॥१०॥
(prāṇaṃ cediḍayā pibet niyamitaṃ bhūyo'nyayā recayet pītvā piṅgalayā samīraṇamatho baddhvā tyajedvāmayā / sūryacandramasoranena vidhinābhyāsaṃ sadā tanvatāṃ śuddhā nāḍigaṇā bhavanti yamināṃ māsatrayādūrdhvataḥ) // 10 //

10- Se o prāṇa é inalado pela narina esquerda, então, após a retenção, deve ser exalado pela narina oposta. Depois de inalar pela direita, após a retenção expire pela esquerda. Praticando constantemente deste modo através das narinas direita e esquerda alternativamente, todas as nāḍīs do yogin são purificadas durante um período de três meses. (3)

Surge com um objectivo purificatório, ou seja, para limpeza dos nāḍī-s de maneira a propiciar os estágios mais avançados da prática, que culminarão com a passagem do ar vital/subtil pelo canal central, Suṣumṇā.

Depois da técnica primária, a Nāḍī Śodhana, apresentam-se oito Técnicas Secundárias, denominadas Kumbhaka-s, literalmente “retenções”, que visam atingir manomanī, uma forma de dizer, a Iluminação. Essas técnicas são, por ordem de apresentação no Haṭhapradīpikā:
  • Sūryā (“Sol” ou “Solar”): inspira-se pela fossa nasal direita, ou solar, sustém-se a respiração, e expira-se pela fossa esquerda, ou lunar; [Candra chamada pelo nome, em fontes textuais só aparece mais tarde]
  • Ujjāyī (“Vitorioso” ou “Que Conduz à Vitória”): inala-se por ambas as narinas, produzindo um som rasante ao “projectar o ar ao palato e epiglote, sustém-se a respiração, e expira-se pela narina esquerda;
  • Śītali (“Refrescante”): inspira-se por entre a língua, enrolada entre os lábios como um canudo, e expira-se por ambas as narinas;
  • Bhastrī (“Fole”): inspira e expira-se repetida e rapidamente por ambas as narinas e, depois, lentamente inspira-se pelo canal direito, sustêm-se a respiração, e expira-se pelo canal esquerdo;
  • Sītkārī (“Refrescante”): inspira-se pela boca, produzindo um assobio e expira-se pelas narinas;
  • Brāhmarī (“Abelha”): ao inspirar e expirar, produz-se um som zumbido;
  • Mūrcchā (“Extenuante”): terminado a expiração lenta, aplica-se o Jālandhara Bandha e retém-se a respiração, até se abeirar o desmaio;
  • Plāvinī (“Flutuante ou Que Permite Flutuar”): enche-se o abdómen com ar ao ponto de flutuar se submerso em água água.
No Haṭhapradīpikā, Svatmārāmā descreve ainda dois tipos de retenção: Sahita ou “Provocada” e Kevala ou “Atingidas”. Se a primeira é fácil de entender, na medida em que assenta numa suspensão voluntária da respiração, após a expiração ou a inspiração, a segunda já tem um enquadramento enstásico (4). Com efeito, Svatmārāmā afirma que “em kevala kūṃbhaka deixa de existir inspiração e expiração, desperta-se a kuṇḍalinī pelo desbloqueio de suṣumṇā, levando à perfeição do Rājayoga”.

Em suma, a prática de prāṇāyāma é tida como fundamental, propiciando a purificação física e mental necessária ao desiderato último: a Libertação.



Joel Machado



Notas
(1) Roots of Yoga, 2017.
(2) Georg Feuerstein, The Yoga Tradition, 1997; Mircea Eliade, Yoga Immortality and Freedom, 1958.
(3) Tradução retirada de http://mokshadharma.blogspot.pt/; चेद् (ced) Se; पिबेत् (pibet) [o yogin] absorver; प्राणं (prāṇam) o prāṇa; इडया (iḍayā) através da nāḍī Iḍā [canal esquerdo]; रेचयेत् (recayet); deve expelir; भूयो (bhūyas) em seguida; अन्यथा (anyayā) pela outra narina; नियमितं (niyamitam) após a retenção. पीत्वा (pītvā) Tendo inalado; पिङ्गलया (piṅgalayā) através da nāḍī piṅgala; बद्ध्वा (baddhvā) e retendo; समीरणम् (samīraṇam) internamente [o prāṇa]; अथ (atha) de forma semelhante; त्यजेत् (tyajet) deve expelir; वामया (vāmayā) pelo canal esquerdo. यमिनां (yaminām) Para os que dominam os yamas; तन्वतां (tanvatām) e executam; सदा (sadā) regularmente; अभ्यासं (abhyāsam) esta prática; अनेन विधिना (anena vidhinā) desse modo; सूर्य (sūrya) [através] do sol [narina direita]; चन्द्रमसोर (candramasoḥ) e da lua [narina esquerda]; गणा (gaṇāḥ) os grupos; नाडि (nāḍī) de canais sutis; भवन्ति (bhavanti) tornam-se; शुद्धा (śuddhāḥ) puros; उर्ध्वतः (ūrdhvataḥ) depois; त्रयात् (trayāt) três; मास (māsa) meses
(4) Termo que vem de “Enstâse”, cunhado por Mircea Eliade (Yoga Immortality and Freedom, 1954) e que remete para a ideia de Samādhi.



Bibliografia

De Michelis, Elizabeth (2005) A History of Modern Yoga: Patanjali and Western Esotericism. London –New York. Continuum.

Goodman, Felicitas (1995)Ecstatic Body Postures: An Alternate Reality Workbook. Rochester, VT, United States. Inner Traditions Bear and Company.

Birch,Jason(2011)The Meaning of haṭha in Early Haṭhayoga.Journal of the American Oriental Society, 131 (4). pp. 527-554.

Birch,Jason(2015)The Yogatārāvalī and the Hidden History of Yoga. Nāmarūpa, Issue 20 (Spring 2015).

Bouy,Christian (1994) Les Nātha-Yogin Et Les Upaniṣads.Paris. Diffusion de Boccard.

De Michelis, Elizabeth (2005) A History of Modern Yoga: Patanjali and Western Esotericism. London –New York. Continuum.

Eliade, Mircea(1958) Yoga, Immortality and Freedom.New York. Princeton University Press.

Feuerstein, Georg(1998). The Yoga Tradition. Its History, Literature, Philosophy and Practice. Chino Valley, Arizona. Hohm Press.

Mallinson, James (2011)5,000-word Entry on “Haṭha Yoga” in the Brill Encyclopedia of HinduismVol. 3 (pp. 770-781). Leiden: Brill.

Mallinson, James & Singleton, Mark [Trad. e Ed.] (2017) Roots of Yoga. London. Pinguin Clássics.

Singleton, Mark (2010) Yoga Body. The Origins of Modern Posture Practice. New York. Oxford University Press.


(Prāṇāyāma representado numa Ilustração do Joga Pradīpikā | Foto/Créditos: Eighty-Four Asanas in Yoga: A Survey of Traditions)

 

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