(Artigo de Opinião) Āsana e o “Moderno Yoga Postural”

A evolução da prática de yogāsana constitui um dos acontecimentos mais marcantes do Yoga, na Índia, na diáspora e hoje em dia no mundo globalizado! Para um entendimento profundo desta questão, é altamente aconselhável a leitura de Yoga Body, de Mark Singleton e Roots of Yoga, de James Mallinson & Mark Singleton, ambos investigadores da School of Oriental and African Studies (UK).

É relativamente usual, durante uma aula, o professor debitar que as posturas em prática são milenares. Dificilmente isso será verdade! De facto, a maioria das āsana-s que praticamos são relativamente recentes, tendo sido assimiladas ou transformadas pelo Yoga ao invés de criadas. De onde vieram? De várias fontes.

Comecemos pela etimologia da palavra āsana que aponta para “assento” ou o acto de sentar”. Ora, nos primórdios do Yoga era precisamente às posturas sentadas, usadas para a prática de prāṇāyāma e meditação, que o termo āsana se referia. Estamos a falar de posições sentadas de perna cruzada, como Padmāsana ou Lótus. Podemos encontrar este registo igualmente nas Tradições Budista, Jaina e no Yoga Clássico de Patañjali. Com o advento do Tantra, pouco mudou. O interesse por āsana é escasso, associando o seu uso às mesmas razões, acrescentando-se a prática de mantra. Em alguns círculos, āsana descreve também uma posição de intercurso sexual. É com o surgimento e proliferação do Haṭha que a prática de āsana ganha estatuto canónico, englobando posturas físicas mais complexas. O que parece ocorrer durante o desenvolvimento do Haṭha é a adaptação de posturas físicas desenvolvidas dentro da tradição ascética, no sentido de as simplificar e amenizar, de maneira a poderem ser praticadas não só por renunciantes. No sentido de aplacar a formação de karma e adquirir tapas (o poder ascético que veiculava superpoderes), os ascetas praticavam mortificações que envolviam permanecer em torções, em inversões, de pé, ou deitados, muitas vezes ao sol a pique. Foram penitências deste tipo que, simplificadas, passaram a chamar-se āsana na cultura do Haṭhayoga. Assim, o Haṭhapradīpikā abriu precedente, ensinando quinze āsana-s, dos quais sete são posturas não-sentadas, assinalando o ponto de partida da difusão e valorização do corpus de posturas sentadas e não-sentadas na prática de Yoga. Outra inovação do corpus do Haṭha é a atribuição de benefícios fisiológicos e terapêuticos à prática de āsana. Também se admite a assimilação de práticas contemplativas, físicas, do Sufismo por parte do Haṭha. Em suma, foram precisos milénios, literalmente, para ocorrerem a palavra āsana se referir a posturas complexas e não sentadas.

O segundo grande momento de evolução da prática de āsana, ocorre na metade do século XX, algures entre a influência da presença inglesa e o movimento independentista da Índia. Terá sido em Mysore que se originou o movimento da prática enérgica e “musculada” de yogāsana, tornada canónica nos dias de hoje. T. Kṛṣṇamācārya sistematizou a aplicação ao Yoga de posturas físicas, estáticas e dinâmicas. A versão popular, sustentada pelo próprio, alguns familiares e seguidores, afirma que se baseou num texto milenar encontrado numa peregrinação aos Himalaias, o Yoga Kurunta. O problema é que, quando se lhe pediu a apresentação do texto, o séquito de T. Kṛṣṇamācārya terá alegado que fora “comido por formigas”, não restando outros exemplares ou cópias. Vemo-nos, por isso, obrigados a dar mais credibilidade à versão académica que sustenta que T. Kṛṣṇamācārya terá feito uma síntese de contorcionismo, técnicas de luta-livre, bobybuilding, exercícios calisténicos, isométricos e ginástica de Ling, trazidos e implementados pelos ingleses, com o que já existia de āsana. Neste processo terá havido inclusive uma motivação nacionalista, em resposta à alegada desconfiança dos ingleses quanto ao potencial físico do homem indiano. O resultado foram as sequências de āsana-s desenhadas por T. Kṛṣṇamācārya. Pattabhi Jois deu continuidade a esse legado, aprimorando-o na forma de Aṣṭāṅga Vinyāsa. No seguimento, B.K.S Iyengar derivando para uma interpretação e versão mais terapêuticas, criou o seu estilo. O resultado, motivado pela estrondosa aceitação destas formas de prática, abundantemente “física”, foi a massificação da identificação do Yoga à execução de āsana. De tal modo, que nalguns círculos se passa a assumir a designação Yoga Postural Moderno, cunhada por Elizabethh DeMichellis.

Assim, posturas como Utthita Trikoṇāsana (Triângulo), Samakoṇāsana (Espargata) e Vīrabhadrāsana I e II (Guerreiro I e II), por exemplo, existem no Yoga há menos de um século. O facto de terem sido assimiladas da presença Ocidental no Oriente, e outros sincretismos regionais, não desvirtua em nada o Yoga. Ora, o Yoga é vivo, estando em constante evolução, pelo que, qualquer técnica que fomente o seu princípio básico, “cultivar a atitude meditativa”, será bem-vindo. Por outro lado, culturas influenciarem-se umas às outras, tem sido um propulsor da Historia da Humanidade. Parece no entanto importante que se deva esclarecer este aspecto histórico, principalmente entre professores e praticantes de Yoga.

 

Joel Machado

 (Ginástica de Ling | Fotos/Créditos: Yoga Body, Mark Singleton )

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