A Tradição Textual no Haṭha: Gheraṇḍasaṃhitā

Origem

A Gheraṇḍasaṃhitā ou “Colecção de Gheraṇḍa”, provavelmente composto ao final do séc. XVII, no nordeste da Índia, tornou-se um dos tratados de Haṭha mais populares. O autor do Gheraṇḍasaṃhitā (incerto, como em muitos casos) estruturou o texto como um manual de aprendizagem, apresentado sob a forma de diálogo entre Gheraṇḍa (o sábio) e Caṇḍakāpālin (o aluno), tendo seguido a tradição Vaiṣṇava de Bengala. O texto reverencia tanto Śiva como Viṣṇu, apresentando elementos que lhe dão uma tonalidade Advaita Vedānta. A primeira tradução da Gheraṇḍasaṃhitā, para o inglês, data 1895 é de S.C. Vasu (1).

Estrutura e Conteúdo

A Gheraṇḍasaṃhitā, ao longo de sete capítulos e cerca de 351 ślōka-s, ensina o ghaṭasthayoga (“yoga do pote”), logrado através de sete aṅga-s ou “auxiliares”. Nesse contexto, descreve 102 práticas de Yoga, incluindo 21 (seis) técnicas de purificação e limpeza, 32 āsana-s (“posturas”), 25 mudrā-s (“selos”) e 10 prāṇāyāma-s (técnicas de respiração). Sendo este modelo de sete aṅga-s redolente do de Patañjali, difere no número e ao colocar o Prāṇāyāma depois de Pratyāhāra. O facto de não integrar yama-s (“ética”) e nyama-s (“observâncias”) não significa que os dispense, pelo contrário, são tão importantes que nem vale a pena serem mencionados, devendo ser assumidos a priori (tal como já acontecia em parte da tradição textual tântrica).

O ghaṭasthayoga concebe o corpo físico e a mente como um “pote” que servem a alma (Ātman, Puruṣa), pelo que se pretende atingir a perfeição a esse nível, mediante sete passos de contínuo desenvolvimento “individual”: purificação física, vigor físico, estabilidade física, calma mental, leveza interior, percepção interior e Libertação. Para o efeito propõem-se os respectivos auxiliares: kriyā-s, āsana-s, mudrā-s s e bandha-s, pratyāhāra, prāṇāyāma,

O primeiro capítulo, votado a uma série de kriyā-s (“acções” [de purificação]), começa com uma apresentação geral de conceitos teóricos basilares e sete passos inerentes à prática, que vão “justificar” cada um dos aṅga-s adoptados por este modelo. Descreve seis kriyā-s principais, que se subdividem formando um total de vinte (vinte e um): dhautī, vasti, netī, lauliki, trāṭaka e kapālabhātī.

O segundo capítulo enumera, com algum detalhe, 32 posturas físicas: Siddhāsana, Padmāsana, Bhadrāsana, Muktāsana, Vajrāsana, Svastikāsana, Siṁhāsana, Gomukhāsana, Vīrāsana, Dhanurāsana, Śavāsana, Guptāsana, Matsyāsana, Matsyendrāsana, Gorakṣāsana, Paścimottānāsana, Utkaṭāsana, Saṅkaṭāsana, Mayūrāsana, Kukkuṭāsana, Kūrmāsana, Uttāna Kurmāsana, Maṇḍūkāsana, Uttāna Maṇḍūkāsana, Vṛkṣāsana, Garuḍāsana, Triśāsana, Śalabhāsana, Makarāsana, Uṣṭrāsana, Bhujaṅgāsana, Yogāsana.
A exposição de 25 mudrā-s e bandha-s é o mote do terceiro capítulo: mahāmudrā, nabhomudrā, uḍḍiyānabandha, jālandharabandha, mūlabandha, mahaveda, khecarīmudrā, viparītakaraṇīmudrā, yonimudrā, vajrolīmudrā, śaktichālana, tāgaḍīmudrā, maṇḍukīmudrā, śāmbhavīmudrā, pañchadhāraṇā, parhtividhāraṇā, ambhasidhāraṇā, āgneyīdhāraṇā, vāyavīdhāraṇā, akasīdhāraṇā, aśvinī, pāśinī, kākī, mātaṅgī, bhujaṅgi.

No quarto capítulo, trata-se de pratyāhāra, grosso modo, a descrição teórica da técnica de distanciamento da mente (citta) dos objectos exteriores, apontando a importância de se diluírem as noções de opostos.

O quinto capítulo começa com uma exposição das regras para prática de prāṇāyāma, concretamente no que toca ao lugar, tempo e dieta requeridos. Discorre sobre a purificação dos nāḍi-s e descreve oito tipos de prāṇāyāma: sahita, sūrya, ujjāyī, śītalī, bhastrikā, bhrāmarī, mūrchā e kevala.

O sexto capítulo discorre sobre um conjunto de três técnicas de meditação, nomeadamente: sthūla dhyāna, jyotiṣa dhyāna e sūkṣma dhyāna.

O sétimo e último capítulo, descreve cinco técnicas para induzir ao samādhi ou enstâse: dhyānayogasamādhi, rasānandayogasamādhi, layayogasamādhi, bhaktiyogasamādhi, rājayogasamādhi.



Joel Machado



Notas
(1) The Gheranda Samhita: A Treatise on Hatha Yoga, 1895.


Bibliografia

Eliade, Mircea (1958) Yoga, Immortality and Freedom. New York. Princeton University Press.

Feuerstein, Georg (1998). The Yoga Tradition. Its History, Literature, Philosophy and Practice. Chino Valley, Arizona. Hohm Press.

Mallinson, James (2004) [Trad. & Coment.] The Gheranda Samhita. Woodstock, United States. Yoga Vidya.

Mallinson, James (2011) “The Original Gorakṣaśataka,” pp. 257–272 in Yoga in Practice, ed. David Gordon White. Princeton: Princeton University Press.

Vasu S.C. [Trad] (1895). The Gheranda Sanhita: A Treatise on Hatha Yoga. Bombay Theosophical.
 
 
(Haṭha yogin-s | Foto/Créditos: Yogic Identities: Tradition and Transformation)

 

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